William Russell

Temos três entrevistas feitas com William Russell, ator que fez Ian Chesterton durante as duas primeiras temporadas de Doctor Who.

Na primeira, de 1985, ele fala sobre da primeira reunião do elenco, sobre como era trabalhar com William Hartnell e a saída de Carole Ann Ford do elenco logo no começo da 2ª Temporada:

“Acho que Verity Lambert não queria somente alguém que pudesse fazer o papel como ela o via, mas que estivesse acostumado à pressão da televisão ao vivo e de longos horários de produção. Já tinha isso a meu favor, porque mesmo com as séries ao vivo não durando mais que três meses, já tinha feito programas que duraram quase um ano. Precisava-se de uma boa dose de energia naquela época – muita paciência para lidar com a adrenalina antes de uma perfomance ao vivo ou gravada com pouquíssima antecedência. Era muito mais recompensador, e parecia muito mais com o teatro, o que dava uma vantagem sobre os outros programas.

“Voltando a ‘Doctor Who’, eu fui contatado por Verity, que disse que queria me encontrar para falar sobre um papel nessa nova série que ela estava fazendo. Fui falar com ela e acabei numa longa conversa sobre a série, sobre o que era, o que seria meu personagem na estória e um pouco sobre outros detalhes – de quanto tempo seria o contrato, etc. Eventualmente, concordei com tudo e assinei meu contrato. O interessante é que a BBC tinha uma cláusula de fuga e caso a série tivesse dado errado, simplesmente se livrariam de nós quando quisessem, enquanto nós estávamos obrigados a cumprir nosso lado do acordo. Admito que nenhum de nós achou que Doctor Who duraria muito, com exceção do Billy Hartnell, que tinha uma confiança no projeto que os protagonistas precisam ter.

“Lembro-me de encontrar Bill, Jackie e Carole Ann pela primeira vez e ficar impressionado com Billy. Sabia seu histórico de filmes britânicos, já que havia feito parte dessa indústria, fiz cerca de 12 filmes até a época em que fui fazer ‘Doctor Who’. Mas Billy era um super ator, de papeis difíceis e famoso por sua perfomance maravilhosa num filme chamado ‘The Way Ahead’, dirigido por Carol Reed. Não conhecia as duas garotas antes, mas nos damos muito bem. A BBC não podia pagar por elencos grandes, então a maioria dos diálogos e ação caiu sobre nós. Isso nos deixou próximos.

“Tínhamos uma semana de ensaio para cada episódio e na sexta antes do dia no estúdio Verity, Mervyn Pinfield e David Whitaker vinham para ver como as coisas estavam indo diante das câmeras para o dia seguinte. Havia muito conluio nas primeiras semanas e uma boa quantidade de comissão de escritores. Com certeza, Verity e David estavam mais disponíveis do que em outros casos que aconteceram depois.”

“Billy era especialmente minucioso em pensar no seu personagem e na forma com que ele se relacionava conosco. Ele trabalhava como um grande profissional, resolvendo os menores detalhes e enfeitando onde era possível. Ele tentou entender a TARDIS ao máximo que podia e ele construiu uma forma de operar os controles, para manter a continuidade. Ele pensou em detalhes, como em sempre falar meu nome errado, o interesse em criar uma amizade protetora com Barbara, juntamente à rivalidade entre o Doctor e Ian.”

“Foi muito estranho fazer ‘An Unearthly Child’ – eles nos levaram de volta à Idade do Bronze, ou em alguma época perto disso, e o roteiro era todo sobre esses homens das cavernas. Uma vez no estúdio – isso foi uma coisa – mas ensaiando, com todos os atores usando suas próprias roupas, ficou algo engraçado demais para se descrever. Nós rimos a semana toda e talvez seja por isso que fizemos tão sérios na gravação.”

“Na verdade, nós filmamos o primeiro episódio duas vezes, porque Sydney Newman olhou para nossa primeira tentativa e disse ‘Façam de novo’. Sydney era o chefe e a série era seu bebê. Nós sabíamos disso, e sabíamos que estávamos na linha. Verity e sua equipe estavam trabalhando Verity e sua equipe estavam trabalhando duro e nós, os atores, gostávamos de pensar que não estávamos colocando-os para baixo. Nessa época com certeza não havia glamour algum – ensaiávamos em qualquer lugar e a qualquer hora, contanto que fosse perto das instalações da BBC em Shepherd Bush, o que às vezes significava morrer de frio no hall de alguma igreja. Lembro-me de um lugar onde o teto estava cheio de goteiras e tivemos que colocar baldes para a água da chuva.

“Não acho que em qualquer momento nós quiséssemos passar a ideia de que havia algo maior que uma amizade próxima entre Barbara e Ian. Isso estava lá no primeiro episódio, mas de forma discreta. A situação em que eles estavam fizeram-nos se aproximarem. Não acho que houve a ideia deles poderem estar apaixonados ou algo do tipo. Jackie e eu nos preocupamos no começo em tomar cuidado como faríamos isso e quanto tempo os personagens levariam para se acostumarem com aquela vida. Eu odiaria simplesmente pegar o script e atuar sem aquele processo de desenvolvimento da performance – é disso que se trata ser um ator. Dei sorte com nosso segundo editor de script, Dennis Spooner, que era muito simpático com os atores e instruía bem seus roteiristas, dizendo-lhes o que não condizia com cada personagem.”

“Confesso que demorou até que os Daleks funcionassem conosco, especialmente porque eles não tinham nos convencido quando os vimos da primeira vez. Mas eles faziam efeito na tela – minha filha ficava aterrorizada com eles. Você precisava de muita habilidade para trabalhar com os Daleks e ajudava se você se desse bem com seus controladores. A questão era levar toda a situação fantasiosa na maior seriedade possível, para que a atmosfera certa fosse passada para o público. Os Daleks foram o primeiro indício de que o programa iria fazer sucesso. Comprei uma edição do Evening Standard e dentro havia uma tirinha com o General de Gaulle como um Dalek. E foi isso.”

“Eu gostei de ‘Marco Polo’ e acho que foi extremamente bem escrito, emocionante e divertido e também teve um lado educacional. Eu estou por trás de uma dos arcos, pois tínhamos muito contato com Verity e David e sabíamos que eles estavam sempre atrás de estórias e ideias, então sugeri fazer um arco que se passava na Revolução Francesa, o que acabou acontecendo. Os episódios históricos eram sempre divertidos, porque nos davam a chance de usarmos figurinos e mergulhar na época. Lembro-me de fazer ‘The Romans’, foi divertido, e um outro arco com Ricardo Coração de Leão (The Crusade), onde o diretor queria que meu braço fosse coberto por formigas – eu disse ‘De jeito nenhum’, e eles tiveram que usar um dublê.

“Em ‘Planet of the Giants’, eles ficaram ambiciosos e encheram o estúdio com o que conseguiram de replicas gigantes, incluindo um telefone e uma caixa de fósforos gigantes. Os fósforos eram perigosos porque eram enormes e poderiam bater na sua cabeça se você os soltasse. Usamos um processo de projeção posterior, onde ficamos na frente de uma tela gigante, na qual projetaram o filme de um gato tentando nos almoçar. Foi muito divertido de filmar.”

“Acho que todos estávamos cientes de que uma vez que a série se estabelecesse, ela continuaria por algum tempo, mas eu não acho que nós não pretendíamos ver o seu fim. Carole Ann Ford era uma jovem atriz, é compreensível que ela quisesse fazer outras coisas, então ficamos tristes, mas não surpresos, quando ela nos deixou. Acho que Billy foi quem mais sentiu – ele ficou bastante chateado quando eu e Jackie decidimos sair, e ouvi que ele não gostava de atuar sem o elenco original, especialmente porque Verity também já tinha saído.”

“Maureen O’Brien (Vicki Pallister) se juntou a nós, e preciso dizer que não gostamos da saída da Carole, então Maureen teve um trabalho difícil no começo. Mas ela era e é uma atriz bem realizada, então conseguiu lidar bem com a mudança. Ela era muito mais realista que Carole, mas estavam tentando a tocas as mudanças, o que foi bom e necessário para o programa.”

“Jacqueline Hill e eu chegamos à mesma decisão (de sair) quase que ao mesmo tempo, e deixamos bem claro para Verity. Acho que ela planejava nos tirar da série juntos, esse era o jeito mais racional e puro de se fazer. Minha memória de como eles de fato nos tiraram, mas lembro de nos levarem pelos marcos de Londres para as últimas cenas. Na verdade, Verity e Billy tentaram muito que continuássemos, mas já tínhamos feito dois anos. Eu tinha que sair, já estava cansando do trabalho, não havia mais aquele brilho, e eu não estava inspirado o suficiente para colocar tudo que sentia que deveria fazer. O que nós começamos em ‘Doctor Who’ não é muito surpreendente quando você considera o talento de alguém como Verity Lambert, ou o impacto que Billy fazia com o público em qualquer lugar.”

 

Já a segunda, trata-se de entrevista de 1990 para “Doctor Who Magazine”, falando de seu tempo como companheiro do Doctor e sua primeira ida numa convenção:

“Eu gostava de atuar quando era criança. Me descobri atraído à isso. Continuei atuando enquanto estava na Força Aérea e organizei peças para outras pesos. Então, depois que saí da universidade, fui para uma companhia e continuei de lá. Acho que no começo eu era escolhido sempre para ser o impetuoso jovem tenente ou oficial da RAF (Força Aérea Real), que parecia sempre ser morto.“

“Depois de ‘The Adventures of Sir Lancelot’, recebi uma oferta maravilhosa da BBC para estrelar ‘Nicholas Nickleby’ numa série de 20 semanas. Depois me chamaram para protagonizar ‘David Copperfield’, que ainda era exibida ao vivo em Lime Groove, e ‘Doctor Who’ veio logo depois. Verity Lambert entrou em contato comigo depois de várias conversas e eu fui conhecer o resto do elenco.

“Formávamos um grupinho muito feliz. Ficava impressionado com o Billy Hartnell, ele era um verdadeiro profissional. Ele se lembrava de todos os controles da TARDIS. Ele quem teve a ideia do Doctor errar meu nome. Billy não era nada parecido com o seu Doctor, ele era um ator muito profissional que fazia seu trabalho do seu jeito.”

“Cobravam muito de nós às vezes. Uma das coisas que discutíamos sempre era que alguns roteiristas estavam nos fazendo falar coisas que nossos personagens não diriam. Conseguimos um editor de script, Dennis Spooner, que coordenou os outros escritores e ficou de olho nas coisas. Gostávamos muito de falar como nossos personagens se desenvolveriam.”

“Lembro-me de termos levado um bom tempo com ‘Marco Polo’, e termos sido bem pressionados. Tirando isso, aproveitamos tremendamente – de fato, adorávamos todos os episódios históricos. Usar as roupas da época era sempre divertidíssimo e visualmente esplêndido. O roteiro era muito bom, o que contribuiu para o bom aproveitamento de todos; focava mais nos personagens, no desenvolvimento deles e da narrativa, eu acho, o arco era contado de forma passível.”

“Não gostamos da saída da Carole Ann Ford, mas nos acostumamos com isso. No teatro, as pessoas saíam sempre e não há agitação, você sente que eles estão indo para outro trabalho, só isso. Maureen O’Brien chegou e era uma boa atriz, mas era muito diferente de Carole. Não achava-a tão “deslocada”, pelo que me lembro. Acho que Maureen parecia mais uma garota normal. De todas as assistentes que vi, acho que Carole era a única a ter esse jeito estranho, deslocado.”

“Após três anos, eu comecei a não fazer o meu melhor, e precisava mudar. Jacqueline Hill e eu saímos juntos. Billy ficou furioso. Ouvimos histórias de que ele não estava feliz com o programa depois que saímos, e Verity pouco depois saiu também. Infelizmente, não encontrei Billy depois de sair da série. Continuamos nos falando por cartas e por cartões de Natal, mas nunca nos vimos de novo. Vejo Jackie de tempo em tempo, mas Verity se tornou mais uma amiga próxima. Não vejo Carole desde uma convenção de ‘Doctor Who’.

“Achei a convenção estranha e admito que achei curioso, tanta paixão por algo que eu havia feito há tantos anos, mas logo descobri que os fãs são sãos como qualquer um. É estranho para mim, porque minha vida seguiu em frente e estou constantemente fazendo outras coisas. Me acho às vezes sem saber o que falar às pessoas, porque elas sabem mais sobre o programa do que eu. Fico surpreso e lisonjeado. Até hoje, as pessoas me escrevem para falar que eles gostavam muito do programa, e pediam por uma foto autografada. Se você pensar nisso, muitas pessoas estão vendo pela primeira vez e tem o mesmo efeito que tinha há tanto tempo. É maravilhoso ter feito parte disso.”

“Fazer ‘Doctor Who’ não afetou realmente nossas vidas na época. Acordávamos cedo, íamos para Londres, ensaiávamos e íamos pra casa; a vida seguia, e não tínhamos tempos para ir a festas, mas fiz algumas poucas aparições públicas. Eu saí do programa e fui fazer algo no teatro. Na época, nos pediam para tirar fotos; atualmente, as pessoas me mandam listas enormes com perguntas que não sei responder porque não consigo lembrar do programa com tantos detalhes. Me pergunto o que mais há para se dizer sobre tudo isso. Aproveitei ir na única convenção que fui, fui convidado a outras, mas não há muito com que eu possa contribuir.”

“Doctor Who teve um efeito muito positivo em mim, porque é um programa que faz muito sucesso e eu aproveitei muito fazê-lo. Qualquer coisa que leva seu nome por aí não pode ser ruim. Tenho sorte no meu trabalho, porque eu vario entre teatro e cinema, então não fico muito tempo em nada que já fiz na tela. Eu faço alguns anos de TV, e então volto ao teatro.”

A terceira e mais recente, fez parte de uma matéria de capa da Doctor Who Magazine, de Junho de 2012 e até uma participação especial na série chega a ser questionada.

William Russell, 87 anos, é uma lenda. “É muito bom e lisonjeiro as pessoas pensarem assim, fico sempre atônito com a reação das pessoas. Olham para você de um jeito engraçado.” Um dos 4 membros originais do elenco de Doctor Who, ele e Jacquline Hill, no papel de Barbara, faziam parte da proposta original do programa, que alternava entre estórias de ficção científica e históricas.

“Para mim, Doctor Who foi uma parte de minha vida, de minha carreira, e um trampolim para outras coisas. Acho que gostei e deixei isso na memória. Não sou nem um pouco sentimental nesse aspecto.”

Muitos fãs concordam que seria sensato que William Russell voltasse como Ian num episódio de 50 anos da série, ano que vem. “Bem, eu duvido, quer dizer, duvido que me chamariam.”
Mas e se te convidassem?
Ele sorri. “Se eu participasse, eu com certeza tentaria fazer o que esperassem de mim. Há uma grande diferença. Estou agora com 87. Tudo mudou bastante. Mas realmente encontrei com pessoas que estavam entusiasmadas para isso e ansiosas para um retorno meu. Me diziam ‘Você não gostaria de fazer outra vez?’ Bem, eu não sei.”

Você assiste a série atual?
“Eu tento assistir, sim. Fico maravilhado quando olho para Doctor Who hoje em dia. Há um salto tão grande do que nós fazíamos. As atuações são sempre ótimas, e está com cenários e efeitos ótimos. É impressionante. O padrão é tão avançado em relação ao que fizemos. Cada episódio é como um filme muito bom, excelente. Fazíamos para crianças, realmente. Gradativamente fomos tentando deixar um pouquinho mais adulto, mas o foco era fazer televisão para crianças, então haviam certas coisas que não podíamos fazer. Se aprendia o que ao longo do caminho. Quer dizer, os problemas que os personagens encaram e lidam atualmente são tão “crescidos”. Éramos mesmo sobre aventura e ‘Cuidado, Doctor!'”.

Ainda assim, o projeto original do programa – um homem numa cabine de polícia, viajando pelo tempo e espaço – está intacto. “Bem, de certa forma está. E fico feliz por isso. A música sempre foi fantástica, e eles mantiveram isso também. Mas as coisas que podem fazer hoje em dia…”
Na época de Russell, o programa sofria da falta de dinheiro. Ele interrompe. “Com toda certeza e faltavam bons roteiros.”

Mesmo?
“Ah sim. Costumávamos ter discussões fantásticas sobre o roteiro. Sempre reescrevíamos. ‘Não teria como eu falar isso. Ian não é assim! Vocês não podem me fazer falar isso.’ O primeiro dia, na leitura do roteiro com toda a equipe, de cada novo script era sempre divertido. Havia sempre uma discussão. Às vezes chegava a se tornar algo bem sério.”

Entre quem?
“Era sempre entre o diretor novo, seja lá quem fosse, discutindo conosco – Bill, Jackie, Carole e eu. Já nos ligamos para discutir os vários pontos que queríamos que fossem alterados. Às vezes conseguíamos, às vezes não, mas era sempre um dia interessante. Fizemos amizade com o editor de script, que se tornou, de certa forma, um amigo que levávamos para beber e falávamos, ‘Agora, escute, estou de saco cheio de gritar “Cuidado!” Está na hora de fazer mais que isso.’ Ian era de fato um homem de ação, então eu tinha que participar da ação, e esta tinha que ocorrer. Quando não acontecia, eu resmungava muito. Eu dizia, ‘Ian não pode ficar parado. Quero ir fazer alguma coisa.’ Eu jamais fiquei calado. Nunca me entimidei em falar esse tipo de coisa ou como me sentia em relação ao papel.”

Em 1963, Russell atuava já “há uns 12 anos, então eu tinha muito mais experiência que muita gente que entraria depois em Doctor Who. Foi Verity Lambert, quem realmente me entusiasmou no projeto. Fomos almoçar juntos. Não comemos muito, mas bebemos alguns drinks no bar. Verity era uma jovem produtora maravilhosa, encantadora. Ela saiu do cargo de Assistente de Produção na ABC (onde Sydney Newman, chefe de Séries e Seriados de Drama da BBC, trabalhara anteriormente), e era maravilhosa. Era da nossa idade, e quase sempre nos apoiava.”

“Pessoas não gostam de mudanças, não é mesmo? Realmente não gostam. Estávamos um pouco à deriva. Sabe, ‘Quem são essas pessoas?’ Éramos um novo grupo anormal de pessoas tentando fazer algo um pouco diferente. Quer dizer, a BBC não nos deu nenhuma ajuda no começo. Tínhamos o Estúdio D de Lime Groove. O Estúdio D era do tamanho da sala de estar do meu apartamento, com três enormes câmeras. Não havia espaço pra muita atuação.”

“Era muito difícil para eles, Verity Lambert e Waris Hussein, mas ele foi muito bem. Ele era maravilhoso, claro. Todos nós gostávamos de Waris, então o apoiamos no que ele fazia, mas às vezes era muito difícil para ele. Os velhos senhores da BBC faziam televisão já há 40 anos, e estavam prontos para continuar nisso. O que eles queriam era uma boa série de Charles Dickens. Eles acharam que Doctor Who era algo inferior a eles. Com o tempo, nos livramos dos velhos senhores.”

Russell insiste que William Hartnell era um grande suporte de um diretor estreante na TV e uma produtora mulher mais jovem ainda no comando de Doctor Who. “Ah, ele abraçou aquilo. Ele não gostava de algumas das pessoas que vieram para dirigir, mas na maioria das vezes ele ficava bem. Ele se dava muito bem com Waris e Verity.”

Doctor Who parecia inovador na época?
“Não posso dizer que achava isso. Via muito mais como um ator lutando por sua parte e seu personagem. Era realmente o que eu estava fazendo na época. Claro, às vezes Verity não tinha como nos apoiar. Tinha uma cena com Carole na qual ela pegava uma tesoura e tentava me atacar. Os velhos senhores disseram, ‘Vocês não podem fazer isso num programa para crianças! Crianças não podem pegar tesouras e sair lutando entre si!’ Talvez estivêssemos indo um pouquinho longe demais. Lutas eram sempre um constrangimento para mim, porque eu fiz Sir Lancelot entre 56 e 57 e eu tinha que lutar o tempo todo. Eu sabia que precisavam usar vários cortes durante a luta, mas não podíamos arriscar em Doctor Who. Não tínhamos tempo para isso. Lembro de Verity dizendo, ‘Olha, temos três cortes.’ ‘Mas Verity, isso não basta!’ Claro que eu estava sempre reclamando das lutas.”

Como a maioria dos programas na época, Doctor Who era gravado como se fosse ao vivo, os atores tinham entre Segunda e Quinta para ensaiar e Sexta ocorria um ensaio com câmera e a gravação do episódio, já de noite. “Nós realmente gostávamos da agitação, havia sempre um pouco de adrenalina fluindo.” Caso um ator esquecesse a fala, o outro precisava cobrí-lo, Russell era quem geralmente fazia isso. “Foi algo que eu aprendi no teatro de repertório. Você chegava ao desfecho, e o cara fazendo o detetive está sinalizando: ‘O que diabos eu digo depois? Não consigo lembrar!’ Estávamos sempre prontos para obrir nossos colegas de elenco.”

E após um dia no estúdio? Direto pro bar?
“Sempre bebíamos um pouco”, ele sorri. “E tínhamos o hábito de almoçar juntos nos dias de filmagem, um ótimo almoço-piquenique no estúdio, porque achávamos as refeições da BBC péssimas. Começamos a levar coisas. Verity foi quem começou. Comíamos algo de “Fornum & Mason”, que nós mesmo bancávamos. Eu gostava. Em minha mente e memória, Doctor Who sempre foi uma época muito, muito feliz, porque todos nos dávamos muito bem. Gostávamos uns dos outros, o que era um bônus. Essas coisas nem sempre ocorrem assim.”

Perguntado sobre William Hartnell, Russell admite que ele podia ser “difícil de trabalhar em algumas coisas. Se você se achasse, de qualquer forma, superior, se isso ficasse visível numa discussão com ele, ele reagiria a isso. O caso com Bill era que haviam áreas a se evitar. Você precisava ser cuidadoso. Consigo entender porque ele era difícil de lidar com algumas pessoas. Caso ele suspeitasse que suspeitavam que ele não era educado o suficiente para lidar com eles. Era só isso. Ele ressentia isso, fazia piadas sobre nomes e adjetivos que não lhes eram familiares, que não conseguia pronunciar direito ou algo do tipo. Mas todos o apoíavamos.”

“Bill era mais velho que todo mundo, e ele chegara lá pelo caminho difícil. Começou no teatro burlesco, fazendo comédias e similares, e então foi fazer papeis fantásticos como Brighton Rock e tantos outros…Ele era um ótimo ator, não há dúvida disso. Ele tinha consciência da sensação de que havia gente contra ele. Bill era muito consciente disto.”

Gente da BBC?
“Gente que ele conhecia como um todo, mas havia um certo grupo na BBC. Ele imaginava que eles não o reconheciam que ele era um bom ator. De fato, ele era formidável, eu achava, como o Doctor. Ele era um fã enorme, sabe. Ele realmente gostava de Doctor Who. Ele se dedicava integralmente à série. Se apegou muito. Ele queria fazer Doctor Who eternamente.”

Você conseguiria imaginar que falaria de Doctor Who quase 50 anos depois?
“Não, e o fato de que estávamos todos tentando ser homens das cavernas – ou os outros atores eram – meio que confirmou as piores impressões. Pensávamos, ‘Bem, é melhor conseguirmos um outro emprego. Isso deve durar 6 semanas.’ E então os Daleks apareceram no arco seguinte e as reações nos fizeram sentir, ‘Isso é realmente bom, sabe, isso vai durar.'”

Ironicamente, o elenco principal não ficou muito impressionado com os Daleks inicialmente. “Éramos muito críticos no começo. Bem, sabe, havia um desentupidor de pia num braço, e então uma arma elétrica falsa no outro, e claro que o fato de que ensaiamos com Daleks sem a parte de cima…Então nunca imaginamos que Doctor Who teria tanto sucesso e tamanha longevidade. Era bem interessante para mim, porque meus três filhos pequenos costumavam assistir detrás do sofá, e não gostavam de quando os Daleks vinham. Eles desapareciam nessas horas. Tinham muito medo dos Daleks, então estávamos fazendo algo direito. Talvez devesse ter me prendido a isso. Eles iam comigo até o estúdio, e sentavam nos Daleks, e pedalavam eles por aí. Não todos, mas minha filha mais velha. Ela até tirou uma foto dentro de um Dalek. Foi surpreendente, após os Daleks, o aumento na correspondência e as pessoas falando sobre aquilo. De uma hora pra outra, todo mundo sabia de Doctor Who. Teve muito sucesso a partir daquele momento mesmo. Lembro de Bill vindo a um ensaio numa tarde com uma edição do Evening Standard. ‘Aqui estamos nós’, ele disse, e abriu numa página com uma tirinha. Foi na época em que a Bretanha estava tentando se juntar ao Mercado Comum da Europa, e o General de Gaulle vetou isso, e então havia esta tirinha com de Gaulle como um Dalek dizendo, ‘Não!’ Com isso, sentimos que ficaríamos no ar. Quando você é satirizado num jornal, você sabe que é um sucesso.”

Como você lidou com aquele nível de interesse no programa? Você conseguia andar na rua sem ser reconhecido?
“Bem, eu conseguia.”, ele ri. “Talvez eu seja muito diferente fora do trabalho. Não, eram tempos diferentes. Não tive muito disso.”

Você queria ser famoso?
“Sim, mas o motivo principal era de continuar trabalhando, e fazer coisas que me levassem a ter mais trabalhos. Quando eu olho pra trás na minha vida, vejo que tive longos períodos de desemprego. Um ano muito bom seria, bem, se eu trabalhasse por nove meses. Havia sempre épocas quando você ligava ansiosamente pra seus amigos e dizia, ‘O que você anda fazendo? Algo acontecendo’ Todos nos mantemos em contato assim. Quando eu entrei em Doctor Who, era entusiasmante tê-lo sempre lá, de ter um trabalho o ano todo. Procurávamos trabalhos que alargassem nossa imaginação e nos desafiassem, e Doctor Who era ótimo nisso. Era divertido de repente tornar-se um romano, ou ser parte de uma expedição de Marco Polo.

“Desfrutamos os diferentes arcos que fizemos – o histórico, e então o de ficção científica. Eu fora uma pessoa muito feliz no teatro de repertório, fazendo uma peça a cada semana. Você pegava o roteiro na segunda e tinha que decorar até a próxima segunda, a tempo dos ensaios. Eu gostava disso. É raro para jovens atores, hoje em dia, ter esse tipo de prática que tínhamos. É como quando você está numa das grandes companhias, a “Old Vic ou a RSC…”

Então por que você deixou Doctor Who?
“Todos nós – talvez com a exceção de Bill, que queria que o programa fosse ao ar eternamente – víamos aquilo como um trabalho como qualquer outro. Não víamos uma “vida” em Doctor Who. Era só mais uma daquelas coisas que você fazia. Quando Jackie e eu sentimos que já tivéramos o bastante, dissemos que queríamos sair e seguir em frente. Naquela época, os atores tinham muito mais o sentimento de que o lugar certo para se atuar era o teatro. Aquele era nosso trabalho de verdade. Sempre fazíamos piadinhas e provocávamos uns aos outros com coisas como “Ah, eu sei, você queria estar no Old Vic (teatro de Londres)!’ O acaso do meu começo de carreira foi que ela não foi no teatro; mas na televisão e em pequenos filmes. Não queríamos sucesso – ou eu acho que não queria – no mundo da TV. Acho que Doctor Who era muito divertido e tudo mais, mas você não pode viver de diversão. Você precisa tentar fazer Shakespeare! Como um jovem ator, você se sentia assim.”

Você era ambicioso?
“Ah, sim, eu era. E continuei ambicioso. Quando Jackie e eu saímos, fizemos turnê com uma peça do Terence Rattigan juntos.” “Bill nunca nos perdoou por termos saído. Ele não entendia, o que era gentil por um lado, mas… Nós dizíamos, ‘Não vamos fazer isso para sempre, Bill. Faremos outras coisas, coisas melhores,’ e acho que era isso que o chateava. Ele me perguntava, ‘Qual o problema com você? Você tem três crianças, tem um emprego, estamos nos divertindo muito – o que mais você quer?’ ‘Eu quero fazer uma peça, Bill.’ ‘Ah meu Deus -“‘ Ele não entendia isso. Talvez ele estivesse certo. Se ficâssemos e tivêssemos ficado, como ele queria, talvez tivêssemos mais sucesso, ou ganhado mais dinheiro. Essas coisas eram importantes para Bill. Não, ele jamais me perdoou por ter abandonado o navio.

“A vida como ator é engraçada. Você está numa companhia, e tem essa grande amizade com as pessoas, então de repente você sai da companhia, consegue outro emprego e nunca mais as vê. Dois anos depois, você se afastou. As pessoas com quem você mantém contato, é quem você realmente quer ter contato. Eu me mantive em contato com Verity, mesmo não tendo trabalhado de novo com ela, mas ela era uma amiga. Mas não era fácil se aproximar de Bill assim.”

William Hartnell morreu em 1975. A última vez que Russell o viu foi dez anos antes, no seu último dia de trabalho juntos em Doctor Who. “Foi mesmo. Jackie e eu saímos para fazer a peça, e isso nos afastou imediatamente de Bill e do trabalho dele. Não acho que algum de nós dois o viu novamente.”

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