Resenha: Série Clássica – 1ª temporada

DW - Season 1

Com 26 temporadas, sendo exibida de 1963 a 1989, a série clássica de Doctor Who é uma das mais duradouras da ficção científica. Durante esse tempo, sete atores assumiram o papel principal, sempre ao lado de companions e com sua fiel (porém não tão confiável) TARDIS. Meu objetivo durante os próximos meses é assistir aos 696 episódios do período clássico e ao filme de 1996, e colocar minhas opiniões em resenhas simples e que, possivelmente, possam incentivar outros a embarcarem nessa exigente tarefa.

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A primeira temporada de Doctor Who começou no dia 23 de novembro de 1963 e se encerrou em 12 de setembro de 1964, sendo constituída por 42 episódios divididos em 8 arcos. O 1º Doctor foi interpretado por William Hartnell e seus companions nesse período foram Susan Foreman (Carole Ann Ford), Ian Chesterton (William Russell) e Barbara Wright (Jacqueline Hill). Ian e Barbara eram professores de Susan que, por sua vez, era neta do Doctor e despertou a atenção dos dois humanos por sua anormalidade. Essa relação levou a uma viagem que dura até hoje. E tudo começou com uma criança…

An Unearthly Child (por Anthony Coburn) – 6.5/10

O primeiro arco da série começa maravilhosamente bem, sendo o primeiro episódio uma das coisas mais geniais já concebidas para a televisão. Conforme a história muda de terreno, porém, a dinâmica vista no início já perde bastante a força. No início, somos apresentados a Ian, Barbara e Susan, que carregam sozinhos metade do primeiro episódio. É através deles que o mistério da identidade de Susan e, posteriormente, de seu avô é estabelecido. Ótimos diálogos e uma forte presença de flashbacks colaboram para a construção dessa aura misteriosa, que acaba se desenvolvendo no ferro-velho onde Susan mora junto com o avô, conhecido apenas como “o Doutor”. A revelação do personagem se dá de maneira ameaçadora e hostil, com Hartnell entregando uma performance cheia de vigor. A partir do momento em que Ian entra a força na TARDIS, os quatro protagonistas engajam em uma troca afiada de diálogos que mostra muito bem as características de cada personagem.

Os três episódios que continuam o arco se passam na pré-história, onde os viajantes acabam envolvidos em uma rixa entre dois líderes de uma tribo que perdeu o segredo de fazer fogo. Apesar de ter bons atores nos papéis de Za (Derek Newark) e Kal (Jeremy Young), os líderes rivais, a história não empolga muito e acaba não indo para lugar nenhum na maioria das vezes. Um dos momentos que mais merece destaque se dá no segundo episódio, quando o Doctor e Susan percebem que a TARDIS não mudou de aparência como deveria ao pousar em outro local. Este pequeno recurso para poupar orçamento na construção de uma nova máquina a cada história acabou dando origem a um dos mais famosos ícones da cultura pop.

 

The Daleks (por Terry Nation) – 8/10

O Doctor mal acabou de fugir de 1963 e já está prestes a encontrar seus arqui-inimigos pela primeira vez. Ao aterrissarem no planeta Skaro, destruído por uma guerra nuclear, os viajantes acabam conhecendo os dois povos que o habitam: os inocentes Thals e os malignos Daleks, mutantes que acabaram tendo que habitar veículos metálicos para sobreviverem. A aparição do primeiro Dalek se dá parcialmente no fim do primeiro episódio, sendo mostrado apenas o “sugador” no fim de um de seus braços, avançando rapidamente em direção a Barbara. Esta imagem se tornou icônica e foi até homenageada no episódio Asylum of the Daleks, da 7ª temporada da série nova. No episódio seguinte, os saleiros maléficos são mostrados inteiramente pela primeira vez, quando também se ouvem suas vozes metálicas e monótonas.

Percebe-se claramente que os primeiros Daleks construídos pela BBC não eram muito funcionais, tendo movimentos lentos e limitados. Isso, porém, não atrapalha em nenhum momento a crença de que essas criaturas são perigosas e podem cometer qualquer atrocidade. Explica-se, portanto, o rápido sucesso que essas criaturas fizeram no Reino Unido, tornando-se rapidamente objetos de imitações, músicas e bonecos.

A segunda metade do arco é razoavelmente mais arrastada que a primeira, mostrando a jornada dos protagonistas com os Thals rumo à cidade dos Daleks. A cena que melhor exemplifica essa lentidão acontece no final do penúltimo episódio, dentro de uma caverna. Por falar nos Thals, estes dão ao arco um interessante desenvolvimento, em que eles devem aprender a serem guerreiros e lutarem pela própria sobrevivência.

Este é um arco muito bem executado, mas que seria melhor se tivesse um episódio a menos para acelerar um pouco a história.

 

The Edge of Destruction (por David Whitaker) – 7/10

Sem dúvida, o arco mais bizarro desta temporada. Constituído por apenas duas partes, The Edge of Destruction foi uma estratégia da produção para completar o número de episódios encomendados inicialmente pela BBC. Passando-se inteiramente dentro da TARDIS e com apenas os quatro protagonistas, o orçamento foi mínimo e, portanto, esta história se destaca pelo caráter minimalista, focado nas interações entre o Doctor, Susan, Ian e Barbara.

Uma ameaça invisível afeta os controles da TARDIS e joga sua tripulação uns contra os outros, dando a chance a cada ator de interpretar uma faceta diferente e pouco vista de suas personagens. Os primeiros minutos da história têm um realçado surrealismo, onde diálogos não se encaixam e lembranças escapam por entre os dedos. Mais pra frente, a trama adquire traços de um filme de terror, quando Susan se mostra afetada pela força que ameaça a vida de todos.

Tanto mistério se explica no final por um motivo relativamente fútil, não deixando de causar certa decepção. Porém, como um filler, a história funciona bem e tem momentos interessantes.

 

Marco Polo (por John Lucarotti) – 8.5/10

É difícil resenhar uma história baseado apenas na trilha sonora e em fotos. Marco Polo é uma das várias histórias perdidas da era preto-e-branco da série, cujas fitas foram apagadas pela BBC nos anos 70. O que sobreviveu foi a trilha de áudio, gravada por fãs em suas casas, e fotos de produção, que são colocadas juntas para criar uma reconstrução e passar uma ideia de como era o arco.

Confesso que é chato assistir a uma história de quase três horas de duração apenas por fotos. Marco Polo, porém, tem cenários tão exuberantes e figurinos tão detalhados que até mesmo as imagens estáticas conseguem causar certa admiração. Em comparação com A Unearthly Child, o arco histórico anterior, este é bastante superior, tanto em visual quanto em trama, que gira em torno das tentativas de recuperar a TARDIS depois que é essa é apreendida por Marco Polo, que deseja trocá-la com o Kublai Khan por permissão para voltar pra casa. Contando com personagens secundários fortes, como Tegana, Ping-Cho e o próprio Polo, este momento da história de Doctor Who é uma das mais tristes perdas.

 

The Keys of Marinus (por Terry Nation) – 7.5/10

Como roteirista de Doctor Who, Terry Nation escreveu onze arcos, sendo nove com os Daleks como vilões. The Keys of Marinus, portanto, é um raro exemplo da imaginação de Nation além de suas mais famosas criações. É verdade, contudo, que os Voords, a ameaça desta história, foram criados visando repetir o sucesso feito pelos rebentos de Skaro. O fato de esta ser a única aparição deles na série demonstra o resultado desse esforço…

The Keys of Marinus se destaca por levar os protagonistas a um lugar diferente a cada episódio, em uma narrativa esquemática sobre a busca das titulares chaves, as únicas coisas que podem impedir Yartek, o líder dos Voords, de dominar o planeta Marinus. A equipe se separa, fazendo que o Doctor não apareça por dois episódios consecutivos. De fato, neste ponto da série, Ian parece mais o protagonista do que o próprio Doctor.

Os Voords, os alienígenas de roupa de borracha que aparecem no começo e no final da história, são visualmente bacanas, mas não fazem muita coisa além de espreitarem as pessoas e seu líder se fazer passar por Arbitan, o regente das chaves, através de uma imitação obviamente ridícula.

Como cada episódio se sustenta mais ou menos independentemente, tendo uma trama própria que se resolve em 25 minutos, a qualidade varia. Enquanto o 2º episódio, The Velvet Web, é um dos meus favoritos da temporada, o 3º já é decepcionante. O julgamento de Ian nos últimos episódios, porém, é uma trama de mistério bem sucedida e intrigante.

 

The Aztecs (por John Lucarotti) – 8/10

A segunda aventura histórica da série coloca os viajantes no meio do império asteca, na glória em que este se encontrava no século XV, antes da chegada de Cortez. Como Marco Polo, este arco se destaca pelos figurinos deslumbrantes. Os cenários, ao contrário da história chinesa, não são de grande magnitude, mas se vale de truques de maneira bem sucedida, como o uso de panos pintados para passar a ilusão de espaço.

A TARDIS, em sua habilidade para aterrissar em lugares inoportunos, aparece dentro da tumba de Yetaxa, um famoso sacerdote. Barbara, por usar um bracelete pertencente ao falecido, acaba sendo considerada sua reencarnação e reverenciada por todos os astecas. Ao mesmo tempo em que devem manter a mentira para não serem mortos, o Doctor e seus companions precisam encontrar uma forma de entrar no túmulo onde a TARDIS se encontra, sendo que ele só abre por dentro.

Outra subtrama usada de maneira curiosa é o romance entre o Doctor e Cameca, uma “anciã” que cruza seu caminho. Este tipo de evento não se repetirá novamente em nenhum momento da série clássica, voltando a aparecer no filme de 1996. Outro pioneirismo de The Aztecs é a menção a se mudar a História feita por Barbara, que deseja mudar os costumes sacrificais da civilização, outro elemento usado extensivamente na série nova.

Por estes motivos, The Aztecs vale uma assistida para quem deseja conhecer mais sobre como a série se tornou o que é atualmente, apesar de sua história não ser nada além do que já estamos nos acostumando neste ponto.

 

The Sensorites (por Peter R. Newman) – 4.5/10

Já estávamos nos acostumando porque o nível das histórias estava seguindo um padrão bom. Até aqui. The Sensorites, apesar de também ser pioneiro, traz uma história rasa e alienígenas nada ameaçadores. Este é o primeiro arco a mostrar a humanidade no futuro, como exploradores espaciais que sofrem interferência constante de seres telepáticos do planeta Sense Sphere, chamados de Sensorites. Ao aterrissarem no meio de uma espaçonave terrestre com sua tripulação adormecida, os viajantes descobrem as intenções desta espécie e precisam se proteger de conspirações.

A primeira aparição de um Sensorite é interessante, na qual ele flutua ameaçadoramente em espaço sideral e observa a todos pela janela da nave. A partir daí, porém, vozes abafadas pelas máscaras e barriguinhas salientes no uniforme apertado são o máximo que estes seres têm a oferecer.

Em um ponto da história, Ian começa a passar mal e se estabelece o mistério do motivo. A verdade por trás disso, porém, é revelada de maneira nem um pouco discreta pouco tempo antes, fazendo que o espectador provavelmente descubra de súbito o que está acontecendo, o que torna a lenta descoberta a que o Doctor chega um pouco irritante.

Uma das melhores cenas é quando o Doctor e Ian exploram os encanamentos da cidade dos Sensorites, em um cenário escuro e cheio de barulhos ameaçadores, o que remete à cena das cavernas de The Daleks. O uso da imaginação é essencial aqui para imaginar o terrível monstro que está a espreita, o que funciona muito melhor do que a pancinha dos aliens telepatas, por exemplo.

 

The Reign of Terror (por Dennis Spooner) – 8.5/10

Talvez por gostar muito da Revolução Francesa, este arco me agradou bastante. O cenário é a recém-formada república da França, que passava pelo período do Terror, onde milhares de opositores ao governo de Robespierre eram sentenciados à Madame Guillotine. Em meio a esse cenário, o Doctor, Susan, Ian e Barbara se encontram prisioneiros, infiltrados e aliados a contrarrevolucionários ao longo da trama, que sofre várias reviravoltas.

Estas viradas súbitas casam bem com o caráter tenso da época, em que todos desconfiavam uns dos outros e a denúncia de traidores era algo comum. Tanto Ian quanto Susan e Barbara acabam se vendo na Conciergerie, uma prisão para aqueles que viriam a ser decapitados. Cabe ao Doctor se disfarçar de um funcionário do governo para libertá-los, mas as coisas se mostram bastante complicadas.

Assim como Marco Polo, The Reign of Terror apresenta figuras históricas famosas: Robespierre e Napoleão Bonaparte. Também como Marco Polo, The Reign of Terror é o outro arco da 1ª temporada com episódios faltantes. Os dois episódios perdidos foram animados e lançados em DVD esse ano, porém a animação não é fiel à sensação de se estar assistindo a uma série dos anos 60, procurando inovar através de cortes rápidos e ângulos diferentes, o que dá a impressão de estarmos vendo um anime japonês ao invés de Doctor Who. Por incrível que pareça, preferi assistir às reconstruções.

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De modo geral, a 1ª temporada de Doctor Who é surpreendente e completamente inovadora. Ao alternar roteiros históricos com ficções científicas, a série procurou agradar a dois potenciais públicos, o que sem dúvida contribuiu para o seu sucesso imediato. A química entre os quatro protagonistas é excelente e o Doctor de William Hartnell já se mostrou bastante simpático e compreensivo, em contraste com sua maneira brusca e agressiva dos primeiros episódios. Ao ver esta temporada, fiquei ainda mais empolgado para continuar esta jornada. Agora, só faltam 654 episódios…

Média da temporada: 7,3

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