Review: The Name of the Doctor

Por Arlane Gonçalves
doctor

Quanto maior a lápide, maior o soldado.

Steven Moffat, desde seu começo como showrunner, nunca economizou no quesito importância de suas companions. Amy Pond não era apenas uma menina… ela era a menina que trouxe o Doctor de volta com a força de sua lembrança. Ela era a menina cuja imaginação foi molde para o mundo todo. Ela era a menina que deu à luz a assassina e esposa do Doctor.

Clara Oswald não podia ficar para trás. Ela é a menina que salvou o Doctor em diversos pontos de sua vida, mesmo que ele não notasse. Em outras palavras, ela é o Doctor do Doctor. E nessa história, tivemos o prazer de ter a “participação” de diversas encarnações do Time Lord.

O First foi aconselhado pela jovem a roubar a Type 40 Tardis, o Third estava sendo chamado enquanto dirigia seu Bessie (The Five Doctors), o Fourth era perseguido por ela em Gallifrey (The Invasion of Time), o Fifth foi encontrado preso (Arc of Infinity), o Sixth ela tentava encontrar na Tardis, o Seventh ela tentou impedir que caísse num precipício (Dragonfire), o Second e o Eighth ela perseguiu, e o Tenth foi observado enquanto estava na CAL’s Library (Silence in the Library).

Este foi o episódio com o maior número de Doctors até o momento, totalizando doze encarnações. Devo registrar aqui minha admiração. Claro, se com somente um Doctor na tela o coração whovian já vibra, imagina com esse tanto aparecendo de uma só vez. Porém devo dizer também que fiquei com um tantinho de receio.Vamos combinar que é um privilégio grande demais para uma companion interagir até com as encarnações da série clássica. Seu nível de responsabilidade aumentou infinitamente, Clara Oswald.

Não que a Soufflé Girl não corresponda à “tarefa” que lhe foi “dada”. Mesmo com a ciência de que morreria, de que seria partida em “um milhão de pedaços”, ela se sacrificou para salvar o Doctor.

If this works, get out of here as fast as you can. And spare me a thought now and then. In fact, you know what? Run. Run, you clever boy. And remember me.

As cópias de Clara não ficaram totalmente idênticas. Apenas a Clara vitoriana parece ter o nome completo “Clara Oswin Oswald”, enquanto a Clara de Asylum se chama “Oswin Oswald” e a contemporânea “Clara Oswald”. Cada Clara, no entanto, nasceu e viveu uma “vida normal” em seu meio, incluindo a que nasceu e viveu em Gallifrey. Todavia, nunca devemos nos esquecer: O suflê não é o suflê, o suflê é a receita.

Em relação ao Doctor, somente a vitoriana e a moderna é que parecem não saber quem é o Time Lord quando o conhecem. O restante sabe quem é ele enquanto ele não a reconhece.

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Aliás, The Name of the Doctor foi todo sobre sacrifício. Primeiro, o Time Lord cedeu e foi à Trenzalore porque seus amigos — que sempre o ajudavam sem questionar — precisavam dele. Depois, Clara se sacrificou para salvá-lo. E por fim, ele se sacrificou para salvá-la. Quer dizer, a gente já sabe que tudo em Doctor Who é sobre sacrifício e salvação. Mas este episódio sem dúvida foi um expoente em tais quesitos.

Um ponto que é importante citar aqui, é que essa trama não é nova. O Doctor já foi prematuramente morto antes, e, assim como em Name, as estrelas sumiram e suas ações foram desfeitas (Turn Left).

Agora, o que foi de partir mais ainda o coração foi rever River Song. Cá entre nós, eu ainda estou no estado de negação e não quero acreditar que ela nunca mais aparecerá. Mas é inegável que o tempo dela tenha chegado ao fim. Vale lembrar que despedida deles foi um “até a próxima”, já que o Doctor (o mais sensível da relação!) não suportava dizer adeus, não sabia como dizer adeus. Foi um nível de dor quase imensurável. Ele preferia fingir que não a via do que mostrar que a via e ter que se despedir. E ela, pensando que não era vista, não saía de perto dele esperando o seu adeus. Mal dá para acreditar que esta extraordinária história de amor — que cruzou o universo e o tempo — tenha realmente acabado.

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Goodbye, sweetie.

Ainda em relação à River, eu esperava ver o momento de o Eleventh enviá-la para a biblioteca, onde ela encontra o Tenth e morre (Silence in the Library). Juro que não é desculpa para vê-la novamente (mentira), mas eu queria saber o porquê de o Time Lord enviá-la para lá. Aqui apareceu apenas um eco dela, e sua ida para a biblioteca já tinha acontecido (certamente depois de The Angels Take Manhattan e antes de The Snowmen). Será que DW vai nos contar essa história toda?

Tenho que mencionar também a possibilidade de viajar no tempo em sonho, um recurso que, acredito, veremos mais daqui pra frente. O problema dele é que o viajante fica desprotegido enquanto está inconsciente, fato que Jenny, Vastra e Strax vivenciaram por causa da “conference call”. E que agonia foi a cena de Jenny desesperada (sendo assassinada!) e Vastra sendo rude com ela.

E já que estamos falando de morte, vamos comentar sobre como Moffat fez a festa com a The Impossible Girl. Até um poema pelas suas trocentas mortes os Poetas Men Whisper Men recitaram: “The girl who died / He tried to save / Will die again / Inside his grave“. Isso lembra o que o Silence disse sobre Rory em The Wedding of River Song: “the man who died and died again will die once more“.

A impressão que tive é que Whisper Men parece uma evolução do Silence. No entanto, apesar de esta ser a primeira aparição dos cochicheiros na série, eles se parecem muito com outro vilão: The Trickster (o maior inimigo de  Sarah Jane Smith em The Sarah Jane Adventures). Isso pode sugerir que eles — e consequentemente a Great Intelligence — estão associados com o Trickster.

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Whisper Man e The Trickster, respectivamente

Os Whisper Men serviram como “base corporal” para a Great Inteligence que, por sua vez, usou o poder “metamorfo” de seus aliados para se transformar na figura de Walter Simeon. Como são novos vilões, pouco ainda sabemos sobre eles. Mas, pelo que vimos, deu para perceber que eles podem matar com sussurros, além de falarem em dísticos rimados, embora suas bocas não se movam em sincronia com o que dizem.

Achei muito perfeita a forma como a série retratou o túmulo do Doctor. Nada mais sensato do que não ter um corpo lá dentro, afinal, como a série é infinita, ninguém sabe qual será o último corpo do Doctor e se é que haverá um último corpo do Doctor. Então, para dar vazão à isso, eis que encontramos feixes de luz lá dentro, que retratam a jornada do Time Lord através do tempo e espaço. Quer dizer, se for pra falar em tom de poesia, no clima dos Whispers, vale afirmar que a luz era “os rastros das lágrimas do Doctor”.

O conceito de que viagem no tempo deixa cicatrizes no universo foi citado na descrição dos horrores da Time War mencionada pelo Doctor e um dos membros do High Council  (The End of Time). Ambos sugeriram que a escrita e reescrita do tempo durante a guerra criou os “horrores” como um efeito colateral indesejado.

Aquilo é o tecido de minha jornada através do universo. Meu caminho pelo tempo e espaço, de Gallifrey até Trenzalore.

Também foi notável a forma como a porta do túmulo foi aberta. A profecia do Silence — The silence will fall — realmente se concretizou e o nome do Doctor foi pronunciado em Trenzalore. No entanto, não foi através da boca do Time Lord. Fiquei impressionada no quanto ele resistiu, e fico imaginando, se não fosse por River, até onde ele teria deixado os Whisper Men irem. O fato é que os cochicheiros estavam matando seus amigos. Strax já estava com uma mão enfiada em seu coração e vimos que qualquer tentativa de defesa não resolveria nada.

Além disso, depois do momento em que ele resgatou Clara, e o Doctor que “quebrou a promessa” apareceu, pudemos ver o quanto o Eleventh condenou a atitude de sua futura encarnação… mesmo depois que ele se justificou  dizendo que fez o que fez em nome da “paz e da sanidade”.

No final das contas, exatamente como diz o prequel She Said, He Said, depois de Trenzalore, os dois sabem (quase) tudo um sobre o outro. Clara é a companion da série atual que mais conheceu o passado do Doctor, e o Senhor do Tempo finalmente descobriu o mistério de sua garota impossível e o porquê de conhecer e perder tantas Claras. Nunca antes tivemos uma dinâmica Doctor-companion assim. Ela não só o conhece bem como fez parte de toda a sua vida. E outra coisa: se ela relembrou os acontecimentos de Journey to the Centre of the TARDIS, ela se lembrou do nome do Doctor. Quero muito ver como DW tratará Clara Oswald daqui por diante. Certamente ela não será apenas mais uma garota viajando na Tardis.

Mas nem só de drama foi The Name of the Doctor. Eis que Moff ainda achou um jeito de caprichar no lado cômico, a começar pela cena do Doctor sendo trapaceado pelos meninos e achando que poderia ser eleito o babá do ano:  The little daleks!. Teve também River conhecendo Clara. Clara ficou toda desconcertada, mas River nem fez questão de esconder o ciúme e o olhar intimidador. Vastra chamou Oswald de companion… e teve que voltar atrás porque não queria ser fuzilada pelos olhos de uma mulher despeitada, pobrezinha. Strax estava em seu dia de comediante. Seu eterno lado violento e incapaz de distinguir fêmeas de machos sempre darão boas risadas. Boa mesmo foi a hora em que o Whisper estava com a mão em seu coração e ele querendo dar uma de vitorioso: “Why did you open the door, sir? I had them on the run!“. Ah, Strax.

Agora, um minuto de pausa. E a cena  em que o Doctor deixa es-ca-pu-lir para Clara que River, a defunta que fala, é sua esposa? Ah, meu deus, como eu ri. E pensar que os meninos Maitland chamam o Doctor de namorado da moça…

Olhando por aí nos Tumblrs da vida, vi uma interpretação sapeca do minuto 00:26:40. Esta é a hora em que Walter pergunta DOCTOR WHO?, o Doctor grita Please! e a porta se abre… daí, saiu até fan art fazendo piada da situação…

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via Life in Tardis

Mas também vi um comentário fofo. Tem gente que entendeu o Please! como um pedido para River, para que ela pronunciasse o nome dele e ele não precisasse fazê-lo. Ah, coração.

Para finalizar, vamos refletir sobre “They’re soldiers, the bigger the gravestone, the higher the rank.”. Que fala mais Doctor Who, não é? Achei fantástico que logo que o Doctor acabou de falar isso, a Tardis apareceu imensa, “vazando” o bigger on the inside enquanto morria. Tem como ser mais poético, triste, alienígena, estranho e épico? Não tem. Nunca que a gente imaginou que um dia ficaríamos de coração apertado por ver uma caixa azul “morrer” na televisão. Doctor Who não tem jeito. Doctor Who é simplesmente única.

 

Observações:

No Especial de 50 Anos não teremos um Doctor… teremos DOCTORS do passado e um Doctor do futuro. Brace yourselves.

# E quem foi mesmo a mulher que deu o número da Tardis para Clara?

# O endereço da casa dos Maitland (onde Clara é babá) foi revelado: 30 Oak Street, em Chiswick. Adivinha qual companion também viveu em Chiswick? Dica: começa com Donna e termina com Noble.

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# Ponds Forever: quando o Doctor conecta a memória de Clara com a Tardis através da mão da moça, ele garante “This won’t hurt”, apenas para segundos depois dizer na maior cara lavada “I lied”. Quem já falou isso antes? Quem? Quem? Rory para o pai (Dinosaurs on a Spaceship) e River para a mãe (The Time of Angels).

# A fala do Doctor “Há um momento para viver e um momento para descansar” lembrou uma passagem da Bíblia, no livro de Eclesiastes 3:1-8: Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz. 

# Enquanto está na timeline do Doctor, Clara grita “I don’t know where I am!”, lembrando a fala chave de The Bells of Saint John e de sua cópia em Asylum of the Daleks.

# A cena do Tenth na biblioteca não apareceu na versão da BBC America.

# Os Whisper Men se referem ao Doctor como “the man who lies”. Em A Good Man Goes to War, Colonel Manton também se refere à ele assim. Já em The Wedding of River Song, River fala para Amy que a primeira regra do Doctor é “he lies”.

# Im-pa-gá-vel a cara de Jenny, Vastra e Strax embasbacados enquanto o Doctor beijava uma River invisível.

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# Na cena onde todos entram no túmulo, o Doctor direciona a screwdriver para o feixe de luz e falas de suas encarnações podem ser ouvidas. São elas:

* O First pergunta “Have you ever thought what it’s like to be wanderers in the fourth dimension?” para Ian e Barbara (An Unearthly Child)

* O Sixth fala “Daleks, Sontarans, Cybermen! They’re still in the nursery compared to us,” para os Time Lords (The Trial of a Time Lord).

* O Second fala “There are some corners of the universe that have bred the most terrible things” (The Moonbase).

* O Fourth fala “Do I have the right?” para Sarah Jane Smith (Genesis of the Daleks).

* O Ninth fala “Absolutely fantastic.” (The Parting of the Ways).

* O Tenth se apresenta em Voyage of the Damned.

* O Fifth fala “So you see” para Stotz (The Caves of Androzani).

* O Eleventh fala “Hello Stonehenge!” (The Pandorica Opens).

* O Third fala “It was the daisiest daisy I’d ever seen” para Jo Grant (The Time Monster).

# Uma fan art bem humorada sobre The Name of the Doctor (via Chelsea Taylor):

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(Obrigada por não ter nomeado o nosso Doctor, Moff.)

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