Em um novo conto de Doctor Who escrito pelo ex-showrunner, Steven Moffat, a Doutora e Karpagnon enfrentam a criatura mais aterrorizante…
A massa composta de carne fedorenta fez silêncio por um momento antes de se contorcer e esticar para cima, tendo a pele dos seus nódulos frontais adquirindo um novo formato. Em apenas dois nanossegundos, os circuitos visuais de Karpagnon processaram e configuraram um padrão compatível: aparentemente, o humano sorria. Karpagnon ponderou por um momento e então decidiu não retaliar.
“Você me ouviu?” emitiu o humano. “Você me entendeu? Consegue entender o que estou dizendo?”. O fluxo de som codificado e contínuo estava acompanhado pelo novo fluxo de odores que também saíam da abertura. O filtro sensorial de Karpagnon começou a processar novos aromas, enquanto isso, o monitor tático notou que provavelmente eles seriam descartáveis para a comunicação do humano. O leve vaporizador de umidade também foi dispensado. “Eu voltarei amanhã pela manhã. Dr. Johnson e Dr. Ahmed também estarão aqui. Você se lembra deles?”
Não houve ameaça detectada, notou o Monitor Tático enquanto a Junção de Supervisão Estratégica acrescentou que uma ameaça não explícita ainda seria possível – a Junção era assim. Carnes e cebolas ativaram o Filtro Sensorial.
Karpagnon escaneou outra vez a caixa de habitação, e continuou sem obter novas informações de valor tático. Havia a pequena cama (onde ele fingia dormir), a janela (que estava fechada) e a porta (que no momento estava aberta). Correu os olhos pelo local e encontrou o humano (Dr. Petrie, ofereceu uma de memória ativada pelo contexto) que estava sentado em uma cadeira perto da cama e nitidamente aguardando uma resposta. Karpagnon escolheu a mais apropriada dentre as opções apresentadas pelos Módulos de Interfaces Diplomáticas. “Sim”, ele disse, “eu recebi e entendi sua comunicação e me lembro do Dr. Johnson e do Dr. Ahmed. Eu devo destruir o seu mundo e todos os que sobrevivem aqui em meio ao fogo e angústia. Espero que você aprecie sua carne e suas cebolas”.
“Então nos vemos por aí”, disse Dr. Petrie e se levantou para ir embora.
“Na primeira oportunidade que eu tiver, irei remover cada um dos seus órgãos”, respondeu Karpagnon. “Boa noite”.
Enquanto Dr. Petrie andava em direção à porta, o Monitor Tático avisou: a fuga deve começar na total escuridão daqui a 2,7 horas.
A Junção de Supervisão Estratégica também recomendou que, antes da partida, fossem destruídos todos os humanos presentes nas instalações. O humano conhecido como Dr. Petrie seria o alvo principal.
O Filtro Sensorial percebeu que as glândulas sudoríparas do humano chamado Dr. Petrie emitiam relevante quantidade de adrenalina. Isso indicava uma reação de medo emitida pelo quartil superior do Dr. Petrie.
“E um grande traseiro”, acrescentou outra voz.
… Se karpagnon pudesse fazer cara feia, ele teria feito. De onde isso veio? Ele fez um rápido escaneamento interno, mas não conseguiu encontrar a origem desse fluxo de dados.
“Digo, você não percebe isso vendo a parte da frente, mas então ele se vira e boom!”
“Identifique esse fluxo de dados não rotulados!”, ordenou Karpagnon.
“Digo, o tamanho daquela coisa! Pode arrancar seu olho”.
“Identifique esse fluxo de dados não rotulados!” repetiu Karpagnon.
“Nenhum fluxo de dados sem rótulos”, respondeu o Monitor de Transmissão de Dados Internos.
Karpagnon pensou por um instante. O estresse adicional para manter seu campo holográfico (que projetava a imagem de um garoto de 12 anos chamado David) poderia estar causando falhas nas junções lógicas. Provavelmente não era nada grave. Um desligamento temporário talvez resolvesse o problema, e, de qualquer forma, o sistema teria que ser atualizado antes da fuga.
Para continuar mantendo as aparências, Karpagnon girou as pernas de uma forma que conseguisse deitar na cama e desligou o seu holograma ocular. Enquanto se deitava, ele ouviu os seus transmissores internos sendo desligados um a um.
O Monitor Tático ficou offline.
Junção de Supervisão Estratégica também ficou offline.
O Filtro Sensorial entrou no modo suspenso.
Apenas o Atraso Interno ficou no modo alerta.
Durante um momento, havia apenas o tique-taque da escuridão.
“Boa noite, família!”
De acordo com o seu registro, Karpagnon acordou após 2,7 horas. Ele virou a cabeça para olhar a janela e ver se já havia anoitecido, então, ele se levantou e olhou seu holograma no espelho. A projeção continuava lá. Ele aguardou um momento enquanto seus sistemas ligavam. Como sempre, o Monitor Tático foi o primeiro.
Recomendação: Perdas humanas devem ser evitadas durante a fuga.
Karpagnon percebeu que sua imagem projetada estava franzindo para o espelho – o que era estranho já que ele nem sabia ser possível fazer isso. “Desculpe, você poderia repetir a última recomendação?”
“Perdas humanas devem ser evitadas durante a fuga.” Repetiu o Monitor Tático.
No espelho, o holograma projetava uma imagem positiva e perplexa, o que era uma nova característica. “Por que?” perguntou Karpagnon.
“É o novo protocolo”, respondeu o Monitor Tático. Crueldade e covardia devem ser evitadas. A destruição de humanos dentro desta instalação passou a ser considerada crueldade e covardia.
“Que novo protocolo?”, questionou Karpagnon.
“Opa, desculpe, deve ter sido eu.” Era a voz novamente – a corrente de dados não identificada. Mas de onde vinha isso? “É o tédio, como você pode ver”, prosseguiu a voz. “Pensei em organizar a casa, já que estou aqui. Adoro melhorar as instalações elétricas, e é entediante dormir. São muitos planetas, eu não consigo dar conta de todos se ficar dormindo. E se durante um sono um planeta inteiro for perdido? Seria um verdadeiro pesadelo!”
“Quem é você?”, perguntou Karpagnon.
“Apenas um amiga, alguém que deseja ajudar. Você está pensando em fugir, não está? Sou a melhor em fugir”.
“Eu não preciso de ajuda,” disse Karpagnon. “Junção de Supervisão Estratégica, por favor, rode o diagnóstico do Monitor Tático. Parece que há algum tipo de interferência.”
Karpagnon esperou, mas não houve resposta. “Junção de Supervisão Estratégica, por favor, rode o diagnóstico do Monitor…”.
“Podemos pelo menos discutir isso?”, questionou a Junção de Supervisão Estratégica, com um novo tom em seu revestimento digital que expressava irritação. “Digo, por que sempre tem que ser o que você diz? E se outra pessoa tiver uma opinião? Você já parou para pensar nisso?”
“Oh, claro”, disse a voz, “receio que seja influência minha. Veja bem, eu realmente gosto de uma estrutura horizontal de gerenciamento. Eu mesma sempre faço uma – de cima para baixo. Obviamente, eu devo estar no topo. Sem querer ofender ninguém, só funciona melhor assim”.
“Você está interferindo no meu sistema??”
“É o seguinte, eu irei apenas desligar tudo, posso? Assim poderemos fugir”. Houve um discreto clique enquanto os sistemas internos de Karpagnon começaram a ser desligados.
“Quem é você??, ele perguntou.
“Não deveríamos estar começando a fuga? Acho que é hora de começar a descer.”
“Quem é você e o que está fazendo com a minha cabeça?”
“Quem é você e o que está fazendo neste lugar?”
Karpagnon estava pronto para não responder a pergunta, quando, para sua surpresa, se viu respondendo. “Eu sou Karpagnon. Um DeathBorg 400, classe guerreira. Fui forjado nos bosques de armas de Villengard, e estou em uma missão de vigilância na Terra do Século 21”.
“Em uma casa com crianças?”
“Os detalhes da minha missão são informações proibidas.”
“Bem, então é melhor eu não perguntar mais sobre isso e evitar que você me conte tudo a toa.”
“Não sou tão submisso assim”, disse Karpagnon em um tom sério. Mas ele logo percebeu que tinha saído da sala e estava descendo as escadas – exatamente como a voz queria que ele fizesse.
“Deathborg 400,” ela dizia, “antes de você, eles tiveram um 399 que não funcionaram? Não é um número agradável, não é?”
“Quem é você?”, ele perguntou.
“Ok, Karpagnon, você sabe quem eu sou. Você sabia o tempo todo.”
“Diga!”
“Eu sou a Doutora.”
Karpagnon ficou parado a quatro passos do fim da escada. Se ele tivesse sido programado para demonstrar alguma surpresa, ele estaria demonstrando estar em estado de choque agora. A Doutora!
“Ooh, veja suas memórias armazenadas se conectando! Você já ouviu falar de mim?”
Ouvir sobre ela?? “O Ka Faraq Gatri”, respondeu Karpagnon. “A tempestade iminente, aquela que traz a escuridão, o demônio de Pandorica! A vencedora da Guerra do Tempo”.
“Algumas das minhas conquistas. Fico feliz por você ter prestado atenção.”
“Muitos a consideram a maior guerreira do Universo.”
“Eu não sou uma guerreira, mas pode pensar assim.”
“Como consegue estar na minha mente?”
“E se eu te dissesse que estou falando com você por um fone de ouvido?”
Karpagnon imediatamente processou a informação. “Como as minhas defesas permitiram que você instalasse um fone de ouvido?”
“Pergunta errada.”
“Como um fone de ouvido pode ter transmitido a minha lógica interna?”
“Outra pergunta errada.”
Karpagnon tentou encontrar o fone de ouvido, mas –
“Não toque nisso”, disse bruscamente a Doutora. “Se você tocar nos fones, tudo isso acaba e eu não irei te ajudar.”
“Eu não recebo ordens!” gritou Karpagnon – mesmo assim, percebeu que havia abaixado a mão. “Por que um DeathBorg 400 precisaria da sua ajuda?”, protestou ele com uma voz mais alta do que pretendia.
“Porque você quer dar o fora daqui”, respondeu a Doutora. “O que é ótimo para mim já que não quero um DeathBorg 400 circulando por uma casa com crianças. A porta da frente está a seis metros, podemos ir?”
“Primeiro eu tenho que destruir a instalação e todos os humanos dentro dela.”
“Não é uma instalação, é uma casa com crianças.”
“Primeiro eu tenho que destruir a casa das crianças e todos os humanos dentro dela.”
“Bem, isso parece meio malvado para mim, mas tudo bem. Melhor irmos para a cozinha, certo?”
“Por que a cozinha?”
“É onde eles guardam tudo o que queima. Você sabe onde as cozinhas ficam, não sabe, Karpagnon?”
“Claro que sei!” Karpagnon desceu o resto dos degraus guiado pelas sobras e pelos silenciosos corredores até a cozinha.
“Por que você sente tanto medo dos humanos?” perguntou a Doutora.
“Eu não temo os humanos. Eu os desprezo.”
“Oh, não me enrole, eu estou em seu ouvido, eu posso ver todo o seu cérebro. É óbvio que você sente medo deles.”
“Eu odeio todos os humanos.”
“Yeah, mas essa é a questão, não é? Você os odeia. O ódio nada mais é do que o medo potencializado.”
“Eu não sei nada sobre medo”, disse Karpagnon, enquanto entrava na cozinha vazia.
“Eu conheço muito bem o medo. Fui forçada a aprender sobre ele. Com os Daleks, os Cybermen, e os Weeping Angels.”
“Conheço essas criaturas.”
“Claro que os conhece, todos os temem. E os Sontarans, e os Slitheen. E, claro, os Umpty Ums.”
Karpagnon pesquisou duas vezes em seu banco de dados. “Os Umpty Ums?”
“Ah, eles são os piores. Nada me assusta mais do que os Umpty Ums.”
“Não sei quem são!”
“Oh, se você me conhece, então você conhece os Umpty Ums. Mas não pense nisso agora. Estamos na cozinha. O que faremos agora?”
Karpagon parou no meio da enorme e escura cozinha e percebeu que estava relutante para fazer qualquer coisa. Finalmente ele disse: “Esta casa deve queimar.”
“Ah, você acha? Não seria exagero?”
“Esta casa deve queimar”, ele insistiu, mais alto desta vez.
“Todas as pessoas vão queimar também. Isso não é justo. Há muitas crianças aqui, como você sabe.”
“Eu não me importo com os humanos. Esta casa deve queimar.”
“Mas o negócio é o seguinte… na verdade você não quer fazer isso, ou quer, Karpagnon?”
Karpagnon escaneou seus Drives Funcionais. Era verdade, ele detectou… o que era isso? Relutância? Seria possível que esta estranha e falante mulher, que também era a mais perigosa guerreira do Universo, tivesse interferido em sua programação?
“Você quer entender sua relutância, Karpagon?”
“Eu não estou relutante”, ele mentiu.
“Estratégia!” É isso. Estratégia militar. Quero dizer, você é um DeathBorg 400 em uma missão secreta no planeta Terra – se queimar esta casa, irá atrair muita atenção.”
Karpagnou pensou. “Correto!” ele declarou.
“Então, temos um acordo. Ao invés de queimar esta casa, porque você apenas não liga o aquecedor no máximo?”
“O aquecedor?”
“Isso. Mostre a eles! Eles irem sentir calor durante toda a noite, esses humanos tolos! Ah, todos os lençóis ficarão encharcados.”
“Mas eu exijo vingança,” protestou Karpagnon. “Ligar o aquecedor não é se vingar.” Mas ele não pôde deixar de notar que ele já estava aumentando o aquecedor no máximo.
Muito bem, Karpagnon! Eles irão aprender a não se meter com você no futuro. Agora vamos sair daqui e deixar esses humanos insignificantes sofrerem com o calor!”
“Não!” disse Karpagnon.
“Ah, vamos! Esta fuga está durando muito. Já está ficando ridículo.”
“Primeiro eu preciso destruir o humano chamado Dr. Petrie.”
Ah, certo. Se nós devemos, então devemos. Então vamos lá destruí-lo. Onde o encontraremos a essa hora da noite?”
Como de costume, Dr. Petrie tinha ficado trabalhando até tarde em seu escritório. Quando Karpagnon entrou silenciosamente pela porta (com o máximo de discrição) ele viu Petrie jogado na cadeira dele, com a cabeça para trás. Ele roncava tão alto que não seria capaz de ouvir nada. Embaixo da xícara de chá, Karpagnon avistou papéis espalhados, a maioria com fotografias. As fotos eram todas de David – o disfarce do holograma de Karpagnon.
“Bem, o que faremos com ele?” perguntou a Doutora. “Derreter? O transformar em uma miniatura? Modificar aleatoriamente a estrutura atômica dele? Eu nem sei como fazer essa última, mas parece divertido.”
Novamente, Karpagnon relutava para agir. O que havia de errado com ele? Ele odiava Dr. Petrie mais do que qualquer outra forma de vida – e ele odiava muitos seres vivos.
“Por que você o odeia, Karpagnon?”
Karpagnon hesitou. “Ele… ele me humilhou.”
“Ah, eu não acho que ele tenha tido a intenção. Ele estava tentando ajudar. Lembre, ele acha que você é um menino chamado David com um transtorno de personalidade. E não u mDeathBorg 400 dos bosques de armas de Villengard”.
“David não é real.”
“Ah, claro que ele é. Ele sabe disso. Mas você encheu esse disfarce com tantos detalhes. Abandonado pelos pais, todas essas pessoas sendo tão cruéis com ele… Eu não acho que Dr. Petrie estivesse te humilhando, eu acho que ele estava tentando ajudar. Ele apenas não sabia que você era um DeathBorg – você deve ouvir muito isso.”
“Não importa. Eu não quero que sintam pena de mim, eu terei minha vingança. Ele será destruído.”
“Muito bem. Você decide. Vai lá e o derreta.”
Mas outra vez Karpagnon se viu estranhamente relutante para agir. E o Dr. Petrie continuava roncando, cada vez mais e mais alto.
“Você sabe qual é o problema”, disse por fim Doutora. “É a estratégia novamente. Se você o destruir, isso chamará atenção para você. Você não pode se expor dessa forma. Então o que precisamos é de um novo e inteligente acordo.”
“O que você sugere?”
“Bem, ao invés da chatice de destruição de sempre, deveríamos fazer a única coisa que os humanos realmente não suportam. Por que você não vai comigo… e desenhamos um bigode nele?”
“Desenhar um bigode não é exatamente uma vingança”, disse DeathBorg 400 enquanto procurava uma caneta.
Finalmente chegou na porta de entrada – desprotegida, observou Karpagnon, com uma triste satisfação. A liberdade está bem próxima.
“O que está esperando?”, disse a Doutora em seu ouvido.
Karpagnon levantou a mão em direção à maçaneta. Hesitou.
“Não se preocupe, está silencioso lá fora”, disse a Doutora. “Nenhum sinal de Cybermen ou Daleks. Nenhum rastro de um Umpty Um.”
Karpagnon tomou coragem e abriu a porta. O ar frio preencheu os pulmões. O vento cortava as árvores e de longe ouvia-se o barulho do trânsito. Havia muitas nuvens no céu e do alto era possível ver a lua.
“Pulmões?”, disse a Doutora, “como assim, pulmões?”
Karpagnon respirou novamente. Tão frio que ele estava tremendo.
“Como você pode ter pulmões se você é um DeathBorg 400. DeathBorg 400 não possuem pulmões.”
Um gato andava pelo muro. Ele deu uma olhada para Karpagnon e sumiu de vista.
O tráfego suspirou e um trem fez barulho, e o vento soprava em seus cabelos.
A voz da Doutora estava mais gentil agora. “Feche a porta, David. Você vai morrer.”
“Não!” gritou a mente de Karpagnon. “Não pode ser!” Ele sumiu pela noite. O concreto sob seus pés congelava e o vento balançava o seu pijama. Ele parou e não conseguiu mais se mexer. Ele não foi programado para se sentir apavorado, mas era assim que se sentia.
“Venha, David”, disse a Doutora. “Agora você entende, não é? Eu sei que sim!”
“Chega de mentiras!”, chorou Karpagnon.
“Se você não quer mais me ouvir, David, então retire os fones de ouvido.”
David encostou em sua orelha. Então ele encostou na outra. “Não há fones de ouvido.”
“Por que um DeathBorg teria orelhas, David? Um DeathBorg com orelhas e pulmões? Que tipo de Ciborgue é esse?”
“Mas eu ouvi uma voz.”
“Eu não estou em seu ouvido, David. Estou na sua cabeça. E você não é um DeathBorg, você é um menino chamado David Karpagnon e já passou da hora de você dormir.”
“Isso não é verdade. Você está usando os seus poderes de Senhora do Tempo para alterar os meus sistemas de dados.”
“Não, eu não estou. E eu não poderia nem mesmo se quisesse. Você sabe por que não posso, David?”
“A Doutora é conhecida por ter habilidades telepáticas além dos simples mortais.”
“Quem te contou isso? O que você sabe sobre mim? Onde você aprendeu tudo isso?”
“Eu…”
Kapargnon ficou paralisado enquanto sua mente processava a terrível verdade.
“Eu…”
Isso não poderia ser verdade. Simplesmente não pode. E, mesmo assim, ele percebeu, no frio e na escuridão, que essa era a maior verdade de todas. Ele inspirou novamente o ar congelante e disse em voz alta: “Eu te vi na televisão.”
“Sim, ótima série, não é?
“Doctor Who.”
“Essa mesma. Sou eu. Mas eu não posso me chamar assim na TV. Não entendo, é um nome brilhante.”
“Você… não é real.”
“Bem, não no sentido da realidade limitada. Mas eu te ajudei hoje, não? Eu sou real suficiente para isso.”
“Você é uma personagem… em uma série de televisão.”
“Sim, você está certo. Eu sou. Mas, na verdade, eu adoraria ser a diretora.”
David ficou em silêncio. Ele mal conseguia sentir o frio agora.
“A propósito, você gosta de música? Sempre me assustou. Umpty-um umpty-um, umpty-um umpty-um.”
“Eu não entendo…”
“Bem, é um barulho assustador, não é? Eu sempre sinto medo quanto escuto. Por isso sempre começo a gritar no final dos episódios.”
“Mas como você pode estar na minha cabeça?”
“Eu vou aonde há monstros para lutar. Nós lutamos com monstros este noite, você e eu. Veja, eu sempre penso sobre essa história da música. Os Umpty-Ums é o barulho dos monstros. Mas então vira Woo-Hoo. Eu acho que Woo-Hoo sou eu indo para o resgate.”
“Você não pode salvar ninguém. Você é apenas parte de uma história.”
“Todos nós somos histórias, no final. Mas você sabe o que uma história é, David? É uma ideia. E você sabe o que uma ideia é? É um pensamento tão grande e tão inteligente que é capaz de ganhar vida fora de você. Ele pode sair da sua cabeça e voar para outras pessoas. Da mesma forma que estou na sua cabeça agora. Mantendo você no caminho certo. Nunca cruel, nunca covarde. Sempre a Doutora.”
David suspirou. Ele estava começando a sentir frio novamente. Ele olhando para trás e viu a casa, agora ela parecia tão aconchegante.
“Não sera fácil”, disse a Doutora. “Nada disso será fácil, nunca. Mas eu sempre estarei aqui.”
David voltou para casa, subiu as escadas e foi para a cama.
Algumas horas depois David acordou e ficou olhando para o telhado por um tempo, pensando em muitas coisas.
“Eu sinto muito medo às vezes”, disse ele.
“Woo-hoo”, disse a Doutora.
Traduzido de: doctorwho.tv
Ambientalista por formação, tradutora nas horas vagas, whovian carioca e viciada em livros, filmes e séries. Fã de ficção científica, especialmente quando envolve viagem no tempo.