Doctor Who é um programa que pode lhe ensinar algo, se você deixar.
Doctor Who sempre foi uma série com múltiplas camadas. Não é apenas um programa capaz de quebrar barreiras ao contar grandes e complexas histórias de ficção científica (muitas delas com diversas ameaças ao Universo). A série também é igualmente hábil ao contar narrativas sobre perdas e solidão, e projetar como seria a sensação de viver o luto durante séculos. Além disso, sempre propõe uma reflexão sobre as consequências de nossas atitudes no mundo – o quão importante é buscarmos sempre a paz e trabalharmos juntos para manter o nosso planeta a salvo.
E, mesmo a série contendo genocidas em formato de pimenteiros e uma máquina do tempo na forma de cabine de polícia da década de 1960, há sempre algo a se aprender, basta se deixar envolver pelas aventuras.
Na primeira exibição de Doctor Who, em 1963, o conceito original era de uma série educativa para crianças, um programa mais focado em ciência e história do que em aventuras espaciais. Os primeiros companions do Doutor – Ian Chesterton e Barbara Wright – eram professores, e o foco dos enredos era sempre histórias sem a presença de alienígenas ou qualquer outro elemento de ficção científica.
“Aventuras puramente históricas” como essas foram removidas da série por volta da metade dos anos 1960, assim que a audiência passou ter maior interesse pelos Daleks do que por uma viagem com Marco Polo pela Rota da Seda. Contudo, o programa nunca deixou de misturar história com fantasia, e continuou com episódios sobre personalidades famosas e culturas do passado – sem deixar de destacar elementos da ficção científica – ao longo das jornadas.
Essa mudança faz todo o sentido na narrativa. Afinal, o Doutor tem uma máquina do tempo. Quem não gostaria de presenciar um momento importante da história ou conhecer alguém famoso que viveu no passado?
Ao longo das temporadas, os whovians puderam conhecer diversas personalidades históricas, incluindo William Shakespeare, Charles Dickens, Vincent van Gogh, e a rainha Victoria. Mesmo esses episódios de viagem para o passado continham monstros, Senhores do Tempo rivais ou algum outro tipo de problema externo que precisava ser resolvido. E esses mistérios conduziam as aventuras, não necessariamente sendo armadilhas históricas ou acontecendo na época em que os personagens viviam.
Com o retorno da série em 2005, esse tipo de enredo tornou-se frequente na série, e, em pelo menos um episódio de cada temporada, os novos companions pediam para viajar ao passado. Assim, tivemos acontecimentos como Winston Churchill experimentando utilizar os Daleks como armas, ou um monstro que vivia embaixo do congelado rio Tâmisa em 1814 e sumia com as crianças.
Quando Chris Chibnall assumiu o controle da série em 2018, os episódios históricos passarem a ser muito mais comuns, e ainda mais interessantes. Durante as duas temporadas comandadas por ele, houve quatro episódios diferentes situados no passado até agora, além de outro com vários personagens famosos na história e fundamentais para os dias atuais. (Ainda que todos eles tenham tido suas memórias apagadas no final).
Isso deixa claro o tipo de história é importante na visão geral do que Chibnall quer para a série. Para ele, Doctor Who – mais do que apenas aventuras no espaço – é sobre fazer do mundo um lugar melhor.
Chibnall deseja nos ensinar algo. Às vezes, essas lições envolvem fatos grandiosos, como explicar para o público britânico os aspectos dos movimentos dos direitos civis nos Estados Unidos, ou fazer o mundo se lembrar da divisão da Índia, como isso foi doloroso e gerou consequências sentidas até hoje.
Por enquanto, a décima segunda temporada tem priorizado pequenos momentos, apresentando inovadores e nem tão conhecidos personagens – como a matemática Ada Lovelace, Noor Inayat Khan (a operadora do telégrafo sem fio na Segunda Guerra), e o inventor Nikola Tesla – ao público e enaltecendo algumas de suas muitas conquistas, mesmo quando a série as coloca como uma parte dos acontecimentos maiores nos episódios.
Por exemplo, Tesla realmente tentou fazer contato com Marte. Doctor Who apenas imaginou como teria sido se algo ou alguém o tivesse respondido.
Entretenimento Educativo
Sob o comando de Chibnall, a série tem sido um entretenimento educativo. Entreter e ensinar são, claramente, objetivos bem diferentes do que tinha o antecessor de Chibnall.
Steven Moffat queria que Doctor Who fosse grandioso e abrangesse tudo. Dessa forma, ele contou histórias confusas, complexas e complicadas contendo tantas peças em movimento que era impossível resolver tudo de forma satisfatória durante uma hora de episódio. (Ou até mesmo durante uma temporada). Seus enredos continham surpreendentes reviravoltas e grandes apostas de modo que até mesmo os mais mundanos dos episódios quebravam barreiras de uma forma que nenhum dos escritores da série haviam conseguido, para o bem ou para o mal.
Com Chibnall, Doctor Who mudou. Focada em histórias menores, com menos apostas óbvias, esta fase da série retorna ao básico de uma forma séria. A era da Décima Terceira Doutora é principalmente e profundamente focada na personagem, interessada tanto em explorar como o contato com o mundo da Doutora impacta todos em volta, e na forma como a presença da Doutora afeta o mundo a sua volta. E isso importa mais do que nunca, considerando que agora a série é protagonizada por uma mulher.
Ambientalista por formação, tradutora nas horas vagas, whovian carioca e viciada em livros, filmes e séries. Fã de ficção científica, especialmente quando envolve viagem no tempo.