Celebrando a Big Finish: como uma turma de fãs reinventou Doctor Who para uma nova audiência

Por 20 anos, Nicholas Briggs e companhia têm pensado fora da caixa.

Até hoje, quase 300 histórias de Doctor Who foram televisionadas, espalhadas em mais de 800 episódios. Mas, se você expandir seus horizontes para além da telinha, o número é muito, MUITO maior.

Por quase duas décadas, a Big Finish tem produzido novos episódios de Doctor Who com a participação do elenco original – em áudio.

Se a sua experiência com audiodramas é limitada à The Archers, da BBC Radio 4, bom… não tem nada a ver. As produções da Big Finish contemplam praticamente todas as eras da série – de 1963 até o presente, incluindo músicas e efeitos sonoros – e consegue ser tão excitante, emocional e assustador quanto a série de TV em si.

Você só precisa fechar os olhos e imaginar.

Origem

Os lançamentos da Big Fish são aprovados pela BBC (personagens apresentados nos áudios foram, até mesmo, referenciados no mini episódio online de Paul McGann, The Night of The Doctor). Mas a história da Big Finish com Doctor Who começa com uma turma de amigos – todos fãs – que começaram a produzir as histórias por diversão.

Atualmente, Nicholas Briggs é o produtor executivo da Big Finish além de ser ator e dublador que dá voz para vários monstros de Doctor Who na televisão – incluindo Cybermen, os Judoon e, até mesmo, para os Daleks.

Nicholas Briggs

Mas lá em 1980, Briggs fazia parte de uma turma que gravava fan-audios em fitas cassete – Os Audio Visuals, como eram conhecidos. Eles lançaram quatro temporadas entre 1985 e 1991, com Briggs dublando o Doutor em todos os áudios que eram lançados, menos no primeiro.

“Está tudo por aí, nos cantos sombrios da internet”, ele disse para a Digital Spy. “Foi onde muitos de nós aperfeiçoamos nossas habilidades. Gary Russel (que depois ficou conhecido como editor de roteiros de Doctor Who) e eu trabalhamos juntos na última temporada, e eu acho que foi Gary quem disse alguma coisa do tipo: ‘Não seria incrível se pudéssemos fazer isso pra valer algum dia?’.

“Ele trabalhou bastante. Incluímos o empreendedor, e amigo, Jason Haigh-Ellery. Depois eles foram para a BBC Worldwide e, eventualmente, conseguiram autorização para que a Big Finish produzisse audiodramas – em 1998.”

Com um pouco de ajuda dos amigos, o time Audio Visuals deram o grande passo de amadores para profissionais. Briggs estava envolvido desde o começo “como um ator, escritor, diretor, designer de sons e compositor”, e foi escolhido para escrever o primeiro lançamento oficial – que acabou sendo ‘The Sirens of Time‘, de Julho de 1999.

Briggs e Russel reuniram um grupo de escritores que trabalharam em spin-offs de Doctor Who, na maioria romances, durante os anos em que a série não estava sendo exibida.

Infelizmente, essa reunião não deu muito certo quando muitos dos escritores não foram a favor de Briggs, um escritor sem muita experiência, se tornar o responsável pelo lançamento da nova mídia.

“Eu me lembro que a reunião foi muito, muito, MUITO breve e que apenas Justin Richards expressou algum tipo de ponto de vista positivo sobre eu ser o escritor da primeira história.”

Um dos escritores nessa reunião era Steven Moffat, que saiu na metade. Moffat apenas queria escrever para o oitavo Doutor, Paul McGann – que, na época, era o ocupante mais atual da TARDIS. Moffat partiu quando soube que a Big Finish tinha direitos para produzir apenas materiais baseados na série clássica.

Uma nova era de Doctor Who

Implacável, Briggs começou a trabalhar em ‘The Sirens of Time’, uma história que contou com três Doutores que concordaram em trabalhar com a Big Finish – Peter Davison, Colin Baker e Sylverter McCoy. Ele trabalhou no roteiro com Russel e Steve Cole, um consultor da BBC. As gravações aconteceram nos dias 6 e 7 de março de 1999 na Crosstown Studios, em Londres, e o produto final chegou às prateleiras – em CD e fita cassete – quatro meses depois.

“Meu objetivo era mostrar para todos que eramos capazes de entregar algo que, na sua mais pura essência, era Doctor Who,” Briggs lembra. “Que poderíamos criar histórias ótimas e excitantes. É, até hoje, é um dos nossos maiores sucessos de vendas.”

‘The Sirens of Time’ foi seguido por ‘Phantasmagoria‘, de Outubro de 1999 – uma história do quinto Doutor escrita por Mark Gatiss. Depois disso, foram lançados novos audiodramas com o quinto, sexto ou sétimo Doutor mensalmente até o final dos anos 2000.

2001 foi marcado com a primeira mudança drástica para a Big Finish. Após longas conversas com Paul McGann, o time o convenceu a reprisar seu papel como o oitavo Doutor pela primeira vez desde o filme de 1996. Agora estavam na posição de poder olhar tanto para o passado quanto para o futuro, criando novíssimas histórias que poderiam, e sucederam, em levar a franquia para novas direções.

“Eu me lembro quão animados estávamos,” Briggs disse sobre o começo das gravações com McGann. “Lembro-me de Paul já estar no estúdio quando nós chegamos. Ele estava lá, todo feliz, nos dando boas vindas.

“Estávamos todos gravando em Bristol (onde McGann morava), então parecia que estávamos numa mistura de férias com trabalho. Foi uma boa confraternização.Lembro-me da alegria que tivemos ao final quando ouvimos Paul dizer que participaria de novo.”

Pelos próximos quatro anos, os lançamentos mensais da Big Finish alternavam as histórias com os Doutores da série clássica – valendo mencionar a notável ‘Spare Parts‘, de 2002, que contou com Peter Davison e as origens dos Cybermen – e novas aventuras para McGann, com histórias que tanto ressaltavam os pontos positivos e já conhecidos de Doctor Who, como os reinventavam.

Toda uma série de áudios para o oitavo Doutor dispensou a TARDIS completamente, onde o Senhor do Tempo e suas companions ficaram presos num universo paralelo.  ‘The Chimes of Midnight‘, escrito por Robert Shearmen em 2002 (que depois escreveu ‘Dalek’, para a televisão) foi votado como o melhor produto da Big Finish. Steven Moffat elogiou publicamente a história de terror gótico.

Novos desafios – e novas oportunidades

Daí algo imenso aconteceu. Algo fantástico, mas algo que poderia ser potencialmente cataclísmico para a Big Finish: A BBC anunciou que Doctor Who retornaria para a televisão, pela primeira vez em 16 anos. Quando ‘Rose’ estreou em 26 de março de 2005, quase 11 milhões de telespectadores assistiram ao clássico cult repaginado.

“Não houve nenhuma mudança artística imediata,” Briggs lembra. “Mas nós subitamente tivemos que ter nosso trabalho aprovado por um grupo novo de pessoas. Antes disso, só tínhamos que passar por uma pessoa. Mas agora Doctor Who era a produção top de linha da BBC. De algo totalmente esquecido num quarto escuro para o horário nobre em uma semana! Dez milhões de pessoas fizeram com que isso acontecesse!”

O retorno de Doctor Who para a televisão afetou o trabalho da Big Finish profundamente – não apenas no nível producional, mas no criativo também.

Russel T. Davies conseguiu altos índices de audiência por usar fatores que sempre funcionaram na série, agregando um novo rítimo e carga emocional. Em meados de 2006, Briggs tinha se tornado produtor executivo da Big Finish, no lugar de Gary Russel, que saiu para trabalhar na série de TV.

“Eu estava muito consciente de que nós estávamos começando a contar histórias no jeito New Who, disse Briggs. Nós meio que absorvemos um pouco do ritmo acelerado e temas com maior teor emocional. Particularmente nas novas aventuras do oitavo Doutor com Sheridan Smith, que interpretava a nova companion Lucie Miller.”

Jogando com gente grande

Briggs admitiu que os lançamentos mensais de Doctor Who foram um pouco difíceis por, mais ou menos, um ano – após o retorno da série para a televisão e, também, enquanto ele se adaptava ao novo papel de produtor executivo.

Porém, 2007 trouxe novas oportunidades para a Big Finish quando foi feita uma parceria com a BBC 7 (agora conhecida como BBC Radio 4 Extra) em uma série de novos audiodramas para serem transmitidos, após o sucesso da reprodução de alguns áudios antigos na rádio.

Começando com ‘Blood of the Daleks‘, co-estrelado por Hayley Atwell, que levava os moldes da New Who, e que também contava mais uma vez com McGann e com a futura ganhadora do Bafta, Sheridan Smith, como a nova companion – Lucie Miller.

Briggs com Sheridan Smith

“Eu acho que aquelas histórias do oitavo Doutor são alguns dos momentos de que eu mais me orgulho,” disse Briggs. “Sheridan, embora já conhecida no meio, foi um ótimo achado para nós. Ela nos deu novas energias.”

2012 foi outro ótimo ano, pois foi quando Tom Baker – após muito considerar – finalmente foi convencido a reprisar o seu papel icônico como o quarto Doutor.

Mas o mais espetacular ainda estava por vir. Em 2015, a Big Finish negociou um novo contrato com a BBC que, pela primeira vez, os permitiu usar personagens e temas da New Who, excluindo a então no ar era de Peter Capaldi.

Nos últimos dois anos, eles não apenas produziram novas aventuras para River Song (Alex Kingston) e trouxeram Torchwood de volta, como eles também contaram com David Tennant mais uma vez como o décimo Doutor, em aventuras com Billie Piper (Rose) e Catherine Tate (Donna).

Conseguir os direitos da New Who “levou um tempo”, Briggs lembra, com “muitas reuniões e negociações”.

“Eu não tenho certeza se Gary Russel chegou a perguntar sobre material baseado na New Who, depois de termos apenas os direitos da clássica. Mas depois que me tornei produtor executivo, fiquei cutucando a BBC regularmente sobre isso”, disse Briggs.

“Eu me lembro de que o então cabeça da BBC Worldwide nos disse que a linha entre a série clássica e a New Who ficaria cada vez mais difícil de enxergar e que, eventualmente, desapareceria. Mas então, quando a AudioGo (uma empresa de propriedade da BBC Worldwide, que produzia audiolivros da New Who) faliu (em 2013), eu meio que fui ver em que pé estávamos.”

Sem final à vista

Com a New Who tendo causado uma influência tão palpável nos produtos da Big Finish, será que Briggs acredita que todo o trabalho feito durante os anos em que a série esteve em pausa ajudaram a modelar a série moderna de Doctor Who?

A resposta da Briggs é muito franca: “Russel T. Davies nos contou uma vez que o alto escalão da BBC não fazia ideia da existência da Big Finish. E como trazer Doctor Who de volta para a televisão envolveu esse tal alto escalão, eu diria que nós não tivemos nenhum impacto concreto no retorno de Doctor Who para a televisão.”

Porém, enquanto os audiodramas podem não ter contribuído para o ressurgimento da série, Briggs acredita que a Big Finish fez, e continua fazendo importantes contribuições para o universo de Doctor Who.

“Com certeza manteve o interesse dos fãs vivo e juntou talentos que depois foram trabalhar na série de TV. Eu incluso, naturalmente!”

De fato, foram as técnicas que Briggs aperfeiçoou com o tempo ao produzir os audiodramas que fizeram com que ele acabasse dando voz para os Daleks na série televisionada.

Ele continua a trabalhar tanto na série de TV como na Big Finish, exercendo o cargo de produtor executivo. As fitas cassetes ficaram no passado, com os novos lançamentos acontecendo via download e também por CD para os fãs das antigas. Por conta do contrato com a BBC, eles não podem revelar o número exato de vendas, mas é certo dizer que tem ido muito bem.

O capital da empresa expandiu imensuravelmente desde os primeiros dias, com dúzias de spin-offs se juntando aos lançamentos mensais e também novos produtos focados em The Avengers, Blake’s 7  e Survivors. Briggs disse que há ainda muito que fazer no futuro.

“Queremos continuar oferecendo um mistura gloriosa de nostalgia e histórias que envolvam os Doutores mais recentes,” ele disse. E, mesmo após quase 20 anos de Big Finish, “há tanto a se fazer – e a maioria delas envolvem coisas que ainda nem sequer pensamos!”

Fonte: Digital Spy

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