CONTO: As Coisas Simples

Nesse novo conto, a paixão de Graham pelo seu time favorito leva a Doutora e a equipe TARDIS a uma nova aventura. A história foi escrita por Joy Wilkinson, roteirista do episódio The Witchfinders, e publicada originalmente no site oficial de Doctor Who. Trazemos aqui o conto traduzido.

 

As Coisas Simples

Graham não tinha interesse em definir grandes objetivos de vida. Ele não queria que sua satisfação em viver dependesse de tanto, e ele sabia que quando a escuridão tomasse conta, ele encontraria consolo tanto nas pequenas coisas – apreciar os pássaros do jardim, tirar a poeira dos sapos decorativos de Grace, esconder o controle remoto da TV do Ryan – quanto encontraria fazendo bungee jumping nas montanhas de Marte.

Mas quando a Doutora ofereceu a ele uma chance para ir para qualquer lugar no espaço e tempo, ele sabia exatamente o que pedir. Uma pequena coisa, e de certa forma a maior – bater uma bola com o primeiro time do West Ham a vencer a copa. 

Ele sonhou com isso por anos. Uma pequena viagem aos gloriosos dias de 1964 para enfrentar Bobby Moore no campo de treino. Graham estava totalmente preparado pra passar vergonha contra seu ídolo. Seria uma honra e um privilégio. Mas isso… isso era tão clichê! 

“Essa TARDIS me odeia” – Graham disse, desanimado. A TARDIS se materializou num canto sujo e barulhento de uma fábrica, nem um pouco perto de Bobby Moore. 

“Que estranho,” disse a Doutora, checando a chave sônica.

“Não, não é. É Exatamente o que eu esperaria. Tem sido assim desde que eu trouxe minha almofada comigo, como se fosse uma crítica pessoal. Eu tentei explicar que é espuma viscoelás…”

“Não, é estranho porque nós estamos no lugar certo” – ela conseguiu interromper. “West Ham. Segunda-feira, 20 de abril de 1896.”

“O West Ham já existia em 1896?” – Yaz perguntou, tentando parecer se importar com futebol, por empatia ao Graham. 

“O lugar provavelmente sim, mas não o time” – disse Ryan, que mesmo tentando ignorar as histórias penosamente detalhadas de West Ham que Graham contava, ainda pegou algumas partes.

“Não, espera aí…” disse Graham com surpresa, seus olhos começando a brilhar. “Ouça.”

Eles tentaram, mas não era fácil ouvir alguma coisa com o barulho ensurdecedor de ESTRONDOS metálicos na fábrica.  

“Isto é uma siderúrgica – era assim que eram chamados antigamente: Siderúrgica Tâmisa Futebol Clube. É por isso que eles são chamados de Hammers [martelos]!” O coração de Graham estava ESTRONDANDO.

“Sério que Hammers é só por causa da batida?” – perguntou Yaz.  

Graham lançou a ela um olhar de reprovação, que logo voltou a brilhar: “Eu nunca disse qual copa, disse? Então, nós viemos parar na primeira final contra Barking – a Copa Solidária. Última revanche depois de empatar duas vezes. Nós ganharemos o troféu por 1-0 na nossa primeira temporada – hoje!”

“Fala baixo, vovô” – advertiu Ryan. “Se os jogadores estiverem por perto, você não vai querer revelar o jogo. Se você azarar e eles perderem, você vai mudar toda a história do clube.”

“Eles jogavam aqui na siderúrgica?” – Yaz arriscou outro olhar de reprovação, mas Graham estava muito animado para isso agora.

“Não, mas eles trabalhavam aqui, então devem estar batendo uma última bola antes da partida. Eu retiro o que disse – eu poderia beijar essa TARDIS. Estou indo treinar com Charlie Dove!” 

“Ou talvez não” – a Doutora ficou séria de repente. “O que se faz neste lugar, Graham?”

“Navios, principalmente. Siderúrgica Tâmisa e Companhia de Construção Naval, se não me falha a memória.”

“Navios de guerra?”

“Isso mesmo. Para a Marinha. E alguns outros países -”

“E para alienígenas?”

Ele a encarou. Todos eles encararam. A Doutora não estava brincando. Eles seguiram o rastro captado pela chave sônica, passando pelo calor e barulho da siderúrgica até uma porta grande que dava acesso a uma ampla oficina. Ou daria, se não estivesse trancada. Um grupo de rapazes estava do lado de fora, segurando uma bola. Graham ficou quieto, como uma criancinha tímida. A Doutora ainda estava incomodada – assim como os rapazes. 

“Você nos trancou para fora?” – perguntou o homem com a bola. “É o único espaço vazio. Nós precisamos entrar e praticar, mas o chefe não nos deixa, por causa de algum cliente importante.”

O time todo encarava eles, desconfiados dos estranhos que pareciam ser o ‘cliente importante’.

“Não se preocupem, eu também tenho uma coisa a resolver com eles. Esperem aí, só vai levar um instante” – a Doutora usou a chave sônica na fechadura e entrou. Yaz e Ryan acompanharam, seguido de Graham, que estava com os olhos fixados em seus heróis, mas ainda muito nervoso para conseguir falar.

A gigantesca sala estava, de fato, vazia, até que a Doutora revelou o que se escondia por trás do filtro de percepção. Uma monstruosa nave espacial. Forjada em ferro, como um navio da Primeira Guerra Mundial, mas com um formato diferente, desenhada para céus intergaláticos, não para o mar. Plataformas de combate surgiram em todos os lados, prontas para serem equipadas com armamentos alienígenas. Pelo menos uns cem canhões.

“Um cruzador galáctico de batalha draconiano” – a Doutora suspirou de horror. “Modelo inicial, mas eu suponho que ainda vai levar uns sete séculos até começarem a usá-lo para fazer guerra contra humanos. Eu não sabia que vocês já se conheciam”.

Antes que os outros conseguissem uma explicação mais fácil da Doutora, outra porta abriu e um homem de terno entrou com uma humanóide reptiliana bem alta, usando uma túnica verde. A gangue percebeu de cara que estes eram o chefe e o cliente importante, que não estavam felizes em vê-los bisbilhotando a sua nave. Antes que a draconiana declarasse guerra, a Doutora já tinha seu plano na ponta da língua.

“Bom dia! Eu sou a Doutora – seu 15º Imperador me nomeou como uma nobre de Dracônia. Relaxa, não precisa se curvar, só me explica: o que estão pensando construindo naves de batalha aqui na Terra?”

A draconiana franziu a testa, mas acreditou nela a respondeu, “Onde mais nós iriamos construí-la? Nossa civilização é muito avançada para submeter nosso próprio povo a um serviço tão baixo. Nossos especialistas vão instalar sistemas e artilharia de alta tecnologia, mas o trabalho braçal é deixado para espécies mais básicas. Faz perfeito sentido econômico para ambos os lados”.

Mesmo com vergonha de ter sido chamado de primitivo, o chefe se manteve firme. “Por que ela não viria aqui? Somos os melhores construtores de navios do mundo, e estamos quase falidos. Eu vou pegar qualquer trabalho que aparecer para não ver meu pessoal passar fome”.

A gangue esperou que a Doutora fosse criticá-los, dizer a eles que a nave seria usada contra os humanos algum dia, e que qualquer nave usada contra qualquer povo não seria algo bom, e que os humanos não eram descartáveis e exploráveis por nenhum império que mostrasse um talão de cheque… mas a Doutora podia ver que o chefe se importava com seus rapazes, e que a draconiana estava apenas fazendo negócios, e que naves de guerra iriam sempre ser construídas por mundos mais pobres e seriam usadas por mundos mais ricos para destruírem uns aos outros, e de repente esse agradável dia foi por água abaixo, e então ela disse:    

“Brilhante! Faz todo sentido… mas eu trouxe meu companheiro Graham aqui para bater uma bolinha com os caras que estão esperando lá fora, então você se importaria de eles entrarem por quinze minutos? Fique à vontade para assistir se você ativar o seu filtro de percepção novamente.

Graham nunca entendeu se foi a nobreza concedida pelo 15º Imperador ou apenas a forma autoritária, porém simpática, que ela falou que os convenceu, mas antes que ele desse conta, a nave havia desaparecido, a draconiana se transformou em outro homem de terno, e logo o apito soprou e ele estava batendo uma bola com Charlie Dove, e todos os rapazes, por toda a vasta oficina, com Yaz e Ryan parados estrategicamente para evitar que a bola batesse na nave.

A Doutora assistiu ao lado da draconiana, comentando todas as regras básicas (incluindo a de impedimento), e demonstrando entusiasmo, preparando o terreno para quando o tempo acabasse.

“Se importa se eu ficar com isso?” – ela pegou a bola de um rebote e chutou à draconiana, que a pegou, curiosa. 

“Um objeto tão simples,” – disse ela – ou ele, como mostrava o seu disfarce. “E ainda assim, é tão fascinante. Posso levar isso comigo e mostrar ao Imperador?”

Charlie Dove estava prestes a reclamar – assim como Graham, que esperava por um souvenir – mas a Doutora interrompeu novamente: “Por favor, leve. Nunca se sabe, ela pode te ajudar a vencer mais povos que uma nave de guerra”. 

Ela abriu um sorriso. Graham também, ao perceber a intenção da Doutora. Ele garantiu a Charlie que o time ficaria bem sem sua bola da sorte e deu para ele seu broche do West Ham em troca. 

“West Ham F.C.? Parece um bom nome para um time” – disse Charlie – “Uma pena que já usaram.”

“Não usaram – ainda. Eu… É… Inventei. Você pode usar se quiser” – Graham gaguejou. Os futuros Hammers agradeceram a ele e partiram para o próximo jogo – para ganhar a copa.

“Obrigado!” – Graham exclamou, na TARDIS, para a TARDIS, e para a Doutora e o Universo, e qualquer outra coisa que tenha conspirado para que ele pudesse batizar seu time preferido. Quem precisa de grandes objetivos na vida quando as voltas que ela dá te surpreendem em uma segunda-feira de manhã?

A Doutora sorriu. Ela duvidou que um simples bate-bola poderia salvar a Terra; mas às vezes, as coisas simples são as mais grandiosas – como a sua espécie favorita, e como aquelas lindas, perfeitas esferas, girando ali e em todos os sistemas solares. E se ela aprendeu alguma coisa sobre o futuro, e o passado, e o presente, é que ela nunca sabia de fato o que aconteceria em seguida. É por isso que a esperança sempre vence. 

Veja o conto original, em inglês, no site oficial de Doctor Who.

Nos acompanhe e curta nosso conteúdo!