William Hartnell

Temos duas entrevistas feitas com William Hartnell, responsável entre 1963 e 1965 pelo papel do 1º Doctor, além de uma outra, com sua viúva, Heather Hartnell, de 1983.

A entrevista abaixo feita em 1964, situa-se período entre a produção da 1ª e 2ª temporadas.

Você está satisfeito com a recepção da série?
“Muito. Estamos todos muito satisfeitos e honrados que tantas pessoas parecem ter aberto o coração para o programa.”

Você está surpreso com o quanto “Doctor Who” é popular?
“De certa forma sim, de outras não. Eu sempre acreditei na ideia do programa, mas uma boa ideia não é garantia de sucesso. Suponho que foi com o segundo arco, quando conhecemos os Daleks, que o programa realmente decolou. Estou muito feliz. Eles vão voltar, sabe, nessa nova temporada.”

Os Daleks são seus monstros favoritos da primeira temporada?
“Bem, não tenho certeza se haviam outros monstros. Todos os outros adversários, eles eram realmente monstros? Eles eram em muitos casos, humanos, ou humanoides, e tinham motivações bem complicadas. Acho que talvez os Daleks fossem os únicos monstros. Eles são muito bons. Eu sabia disso deste a primeira vez em que os vi, eu sabia que eles eram interessantes.”

Algum inimigo da primeira temporada volta?
“Não, acho que não. Não queremos repousar sobre nossos louros, queremos criar novos adversários. Os Daleks nós não podemos ignorar, eles estão por toda parte, eles invadiram nossas ruas. Mas eu espero que nós não os usemos demais. Eu fui muito claro sobre isso com os produtores. Falei a eles que não podemos deixar a série decair para somente batalhas constantes dos Daleks. Eles devem ser usados com moderação.”

Você se envolve muito em relação às estórias?
“Não, não me intrometo. Eu me atrevo a dizer que poderíamos ter mais de uma fala, mas temos escritores muito talentosos e eu deixo eles fazerem o trabalho deles, ao que eu faço o meu.”

O quanto do personagem de Doctor Who estava já no roteiro original e o quanto você incrementou?
“Grande parte dele já estava lá. Eu truxe um pouco de mim a ele, claro, mas se ele e eu sentarmos juntos, pareceríamos completamente diferentes. Acho que ele é um personagem incrível, muito misterioso e enigmático, mas muito doce por baixo da camada rabugenta.”

Você está agora filmando a segunda temporada. Terá uma terceira?
“Espero que sim. Acho que sim. Ninguém sabe, mas eu acho que voltaremos. Eu com certeza voltarei se me deixarem.”

Existem pouquíssimas entrevistas com William Hartnell em seu período em Doctor Who, e a maioria delas foram para promover a série. Abaixo temos algo baseado em vários comentários do ator, que foram reunidos, chegando não a ser uma entrevista, mas uma amostra de sua visão sobre o programa do que uma entrevista de fato.

“Fiquei muito feliz quando me ofereceram Doctor Who. Para mim, as crianças são o melhor público – e os melhores críticos – no mundo.”

“Pode parecer um retrospecto agora, mas eu simplesmente sabia que Doctor Who faria um sucesso enorme. Não me pergunte como. Nem todos pensavam o mesmo. Zombavam de mim por ter tanta fé logo de começo na série, mas eu acreditava ainda assim. Era mágico!”

“Antes de ganhar o papel, eu fiz alguns vigaristas, sargentos, carcereiros e detetives. Então, depois de aparecer em “This Sporting Life”, meu agente me ligou. Ele disse, Eu normalmente não sugeriria você para trabalhar com televisão infantil, Bill, mas tem um personagem que eu acho que você iria adorar fazer. Ele disse que esse personagem era o de um velho avô excêntrico e professoral que viaja pelo espaço e tempo. Bem, eu não fiquei muito empolgado, mas aceitei conhecer a produtora. Então, no momento em que aquela brilhante jovem produtora começou a falar sobre Doctor Who, eu fui fisgado. Lembro-me de ter dito a ela: “Isso vai durar 5 anos no ar.” E olha o que aconteceu.”

“Naquela época, filmávamos 48 semanas por ano e o trabalho era duro. Mas eu amava cada minuto. Sabe, eu não conseguia sair sem que um monte de crianças viesse atrás de mim. Eu me sentia o Flautista de Hamelin. As pessoas realmente acreditavam naquilo. Eu recebia cartas de garotos que estavam se matando de estudar para os exames, perguntando coisas complicadas sobre proporção de tempo e a Tardis. O Doctor talvez pudesse respondê-las, mas eu não! Muitos roteiristas gostavam de fazer o Doctor falar expressões como “força centrífuga”, mas eu recusava. Se a coisa ficar muito técnica, as crianças não vão entender e perderão o interesse. Eu via o Doctor como um daqueles Dalai Lamas, um daqueles velhos garotos que já viveram muito no Tibet, e podem ter até cerca de 800 anos, mas aparentam ter somente 75.”

“Doctor Who é com certeza uma prova para qualquer ator. Animais e crianças são grandes ladrões-de-cena e nós tínhamos amos – mais um monte de monstros que se tornaram populares por si mesmos. Olha só para os Daleks. Eles começaram no segundo arco e fizeram sucesso imediato.”

“Viagem no espaço? Honestamente, eu morro de medo. Não tenho a menor vontade de entrar num foguete e cruzar a estratosfera. Alguém pode ser o primeiro homem na lua. Não me interessa nem um pouco. Mas eu, de qualquer forma, acredito que há vida em outros planetas – e que eles sabem que há vida aqui, mas não tem a tecnologia para chegar aqui.”

“Certa vez, no fim de 1964, pensei que poderíamos estender o programa e sugeri dar ao Doctor um filho, e chamar o programa de “O Filho do Doctor Who”.” Para mim, a ideia era ter um filho malvado. Nós dois pareceríamos, cada um teria uma TARDIS e viajaríamos pelo espaço sideral. De fato, isso significaria que eu teria que fazer um papel duplo quando eu “conhecesse” meu filho. Mas a ideia não foi aprovada pela BBC, então eu a abandonei. Eu ainda acho que teria funcionado e seria excitante para as crianças.

“Memórias? Tenho tantas. Numa certa vez eu cheguei na TARDIS numa tela de ar e as crianças estavam convencidas de que eu tinha voado!? Em outra ocasião, fui de limusine a uma festa local. Quando chegamos lá, as crianças convergiram para o carro gritando animadas, com os rostos sorridentes. Eu soube ali o quanto o Doctor realmente significava para eles.”

 

A viúva de William Hartnell falou a “Doctor Who Magazine” em 1983 sobre a época de seu marido no programa, incluindo suas aparições públicas e, infelizmente, a doença que forçou sua aposentadoria. No fim, há uma história sobre uma TARDIS de ouro.

“Sempre me lembrarei daquela primeira ligação. Terry (enteado de William e seu agente) me ligou de Londres dizendo que iria voltar para o campo porque ele queria que Bill lesse e dissesse o que achava desse roteiro incrível que ele tinha. ‘Eu não sei o que ele ia dizer, mas é para um programa infantil. ‘ Eu fiquei um pouco surpresa e perguntei se era o papel de um cara durão. ‘Não, é um velho com longos cabelos brancos, um velho professor que é um pouco aloprado’. Bem, eu disse ‘Bill vai adorar’, mas Terry continuou um pouco apreensivo. De qualquer forma, ele apareceu naquela noite com o script. Bill pegou-o e sentou-se em absoluto silêncio, lendo do começo ao fim, e eventualmente dizendo “Meu deus, eu quero esse papel”!’. Ele viu imediatamente que havia algo tão diferente na ideia em si, e quando ele conseguiu o papel, o amou desde o princípio.

“A única coisa que eu não gostava quando ele começou era que o fizeram ser um velho rabugento. Ele ficava furioso com os professores da escola que descobriram a TARDIS e entraram nela, ele estava absolutamente lívido e o fato de que ele os levou naquela primeira viagem era nada além de desprezível! Bill gostaria de ter colocado mais comédia naquilo, e tentou com suas tosses e crepitações. Mas mesmo assim, ele amou o papel desde o começo e tinha fé absoluta no programa e estava completamente fisgado desde a leitura daquele primeiro script.”

“Eu fiquei tão feliz de que a última coisa que ele pôde fazer foi algo que se manteve pelos anos. Ele se esforçava muito nisso, porque Bill sempre foi o tipo de pessoa que não tolerava pessoas estúpidas e isso se manifestou de maneira bem forte na personalidade do Doctor. Bill, claro, sempre adorou crianças. Acho que ele deveria ter tido uma família com 6 crianças, ao invés de somente uma filha.

“Um dos episódios favoritos de Bill era ‘Marco Polo’. De fato, foi uma de suas ideias. Em algum momento, eles estavam pedindo ideias de todos, e essa foi uma das que ele teve. Veja bem, ele gostou muito de dar várias delas, porque as roupas, elas eram tão coloridas. Assim como todos os atores, ele adorava se vestir e era uma pena que os telespectadores não podiam ver todos esses sets e roupas maravilhosos com todo seu brilho.

“No primeiro episódio de Daleks eu lembro que houve um pouco de confusão. Estava no script que quando um Dalek era incapacitado ou exterminado, ele tinha que ter um sangue lamacento saindo da base da máquina. Muitos deles, incluido Bill, disseram ‘Não, isso é muito nojento pra crianças’, então tiraram isso. Depois disso, Bill pareceu gostar bastante dos Daleks, porque eles eram algo para ele odiar. De certa forma, eles eram os verdadeiros monstros daquela época porque não tínhamos Time Lords ruins no programa. Então o pior inimigo que ele encontrou foram os Daleks e ele realmente gostava de enfrentá-los porque sabia que as crianças gostavam muito dos episódios com eles.

“Um dos dois filmes de Doctor Who foi feito enquanto ele ainda estava no papel, e embora ele adoraria ter feito o personagem no filme, ele simplesmente não tinha tempo. O programa passava em 48 semanas do ano, e quando suas férias de quatro semanas chegavam, posso te dizer, ele precisava muito delas. Quando o segundo filme veio, seus problemas de saúde o impediam de trabalhar em qualquer lugar.

“Eu sempre me lembrarei de quando ele abriu uma grande festa anual no Hospital de Pembury em 64 ou 65, e um grande amigo dele tinha um adorável carro de guerra anterior à 1914, um veterano de verdade. De qualquer forma, esse amigo levou o carro até Turnbridge Wells e lá se encontrou com Bill, que se vestiu com a roupa completa de Doctor, com peruca, bengala e capa, que a BBC o tinha emprestado, e lá fomos nós para o hospital. Depois de percorrermos cerca de três milhas até a festa, havia uma enxurrada de crianças, carros e bicicletas atrás de nós. Era fantástico. Nós fomos até os terrenos do hospital e todo mundo enlouqueceu. Eles arrecadaran mais dinheiro naquele dia do que jamais tinham feito antes ou desde que abriram.

“Quando chegou a hora do Bill sair do programa, puramente por causa de seus problemas de saúde, ele ficou muito chateado. Por ter anunciado para a imprensa que faria por cinco anos, ele estava determinado a ficar cinco anos. Mas ele não conseguia lembrar de suas falas e suas pernas estavam começando a ceder. Entre o final de 1966 e quando ele fez ‘The Three Doctors’, em 1972, ele ficou progressivamente mais fraco mental e fisicamente. Essa pior coisa da arteriosclerose, quando as artérias se fecham, o fluxo de sangue não diminui somente para os membros, mas também para o cérebro. Quando ele fez ‘The Three Doctors’, ele não conseguia lembrar mais uma linha sequer das falas, mas ele ainda conseguia lê-las. A BBC foi sempre muito boa em relação a isso.

“Com Patrick Troughton assumindo o programa, ficamos encantados, porque Bill o tinha sugerido para o papel e ele era a melhor escolha entre os nomes que apareceram. Nós conheciamos Pat há anos, ele era uma pessoa querida. Mas depois de um tempo, Bill parou de assistir o programa, porque o chateava. Ainda assim, ele ficou bem contente com a atuação do John Pertwee. Ele raramente via alguma coisa do Jon Pertwee, mas ficava animado ao pensar que o programa tinha continuado e quando ele fez ‘The Three Doctors’, ele se iluminou de novo, como se tivessem tirado 10 anos da sua doença.

“Minha posse mais preciosa é uma pequena TARDIS de ouro maciço que Bill me fez. Ele a projetou sozinho e foi até um bom joalheiro em Londres, e a TARDIS foi feita num colar de ouro completado com uma pequena esmeralda verde para a luz. É minha posse mais preciosa porque eu sei que é a única no mundo.”

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