“Aos cinco anos, Skagra concluiu sem sombra de dúvidas que Deus não existia. A maioria das pessoas que chegam a tal constatação reage de uma das seguintes formas – com alívio ou com desespero. Somente Skagra reagiu pensando: ‘Peraí. Isso significa que existe uma vaga disponível!’” As frases iniciais de Shada conseguem fazer uma síntese surpreendente do livro: não só dão uma pista do enredo, mas também da escrita inteligente e bem-humorada que constrói a obra. O livro foi publicado na Inglaterra em 2012 e chegou ao Brasil em 2014 pela editora Suma de Letras.
Escrito por Gareth Roberts (figurinha conhecida por outros livros, áudios dramas e episódios da série), o livro foi feito em cima de um roteiro não finalizado de Douglas Adams. Exatamente, o mesmo Douglas Adams do icônico “O Guia do Mochileiro das Galáxias”. Nem todo mundo sabe, mas ele foi editor de roteiros de Doctor Who entre 1978 e 1979 e escreveu alguns dos arcos da época. O texto original foi feito para integrar a 17ª temporada, como uma aventura do 4º Doctor (Tom Baker) e sua companion Romana II (Lala Ward). Acontece que, por uma série de problemas, incluindo uma greve na BBC, as gravações nunca foram finalizadas, e o próprio texto não pôde ser concluído da forma que o roteirista desejava. Para escrever o livro, Roberts usou a última versão deixada por Adams (que já havia manifestado insatisfação com o resultado a que havia chegado) e fez as mudanças que achou necessárias para honrar a história de um de seus ídolos literários.
Enredo (sem spoilers)
A trama gira em torno do plano do ambicioso e inteligente Skagra para dominar o Universo e transformá-lo em um lugar mais organizado e racional, pelo menos de acordo com sua mentalidade egoísta e quase robótica. O Doctor e Romana entram no enredo quando vão à Universidade de Cambridge atender ao chamado urgente de um Senhor do Tempo muito idoso que leciona na instituição, Professor Chronotis, um velhinho muito simpático, mas com uma memória péssima. O professor estava com o Venerável e Ancestral Livro das Leis de Gallifrey, um dos poderosos Artefatos de Rassilon, que jamais deveria ter saído de seu planeta natal, e queria que a dupla o levasse de volta ao seu local de origem. Acontece que o livro, que foi parar nas mãos de um estudante desavisado, é um elemento fundamental para que Skagra alcance Shada. A propósito essa é outra questão que o Doctor e seus amigos terão que resolver: o que é Shada?
Assim inicia-se a história, que se desenrola em 338 páginas, divididas em 75 capítulos, agrupados em seis partes (que correspondem aos seis episódios que deveriam compor o arco da série). Gareth Roberts conseguiu transpor o enredo para as páginas de uma forma divertida e envolvente, que é engraçada quando pode e tensa quando precisa. Além disso, o recurso de usar capítulos pequenos e alternados nos momentos cruciais nos impele a uma leitura compulsiva em boa parte da obra. O livro também apresenta rapidamente os conceitos do universo de Doctor Who necessários para entender os acontecimentos, de maneira que mesmo alguém alheio à série consegue acompanhar e se interessar pela trama.
Já os whovians que não estão familiarizados com a série clássica têm a chance de conhecer uma das encarnações do Doctor mais queridas pelo público. A essência inocente, brincalhona e carismática do 4º Doctor é bem representada no livro, e deve matar a saudade de quem já o conhece ou deixar aqueles que ainda não o viram com vontade de assistir. O mesmo acontece com a companion Romana e até com o simpático K-9, o cachorro robô que acompanha os tripulantes da TARDIS em várias aventuras na série clássica. Shada é ainda uma ótima oportunidade para descobrir um pouco mais sobre a história dos Time Lords e sua maneira peculiar de tratar aquilo que ameaça seu poder. A obra é um pequeno mergulho na genialidade de Douglas Adams, com a companhia indispensável do talento de Gareth Roberts.
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Quer ouvir mais sobre o que a gente achou do livro? Nossa equipe fez um podcast especial sobre a obra: Podcast in the Library: #04 – Shada
Jornalista apaixonada por histórias e personagens fictícios, principalmente se eles viajarem pelo espaço a bordo de uma cabine azul.