O cinema e a TV estão cheios de produções que enfrentaram inúmeros problemas quando estavam sendo realizadas, mas acabaram resultando em obras magníficas. Com mais de 50 anos de história, é claro que episódios como esse já aconteceram em Doctor Who, e um belo exemplo é o arco The Celestial Toymaker. Depois de enfrentar dificuldades como a saúde já debilitada de William Hartnell, uma mudança completa da equipe de produção e até críticas por supostas violações de direitos autorais, o arco entregou não só uma história interessante, mas um dos violões mais intrigantes dos primeiros anos da série.
O fabricante de brinquedos celestial, ou Celestial Toymaker, é um ser imortal com grande domínio sobre a matéria e que vive em seu parque de diversões particular, por assim dizer. O mundo é chamado de Celestial Toyroom (sala de brinquedos celestial) e é repleto de jogos e objetos lúdicos. No entanto, isso não garante que seja uma grande felicidade para seus visitantes, porque o verdadeiro entretenimento desse estranho ser é aprisionar aqueles que aparecem por lá e forçá-los a participar de seus jogos, algumas vezes, mortais.
Quando o Doctor e seus amigos chegam no tal planeta, os problemas surgem antes mesmo de deixarem a TARDIS. O senhor do tempo fica invisível, aliás, imaterial, e não demora muito para ele perceber em que lugar eles foram parar. Então o vilão sequestra a nave e surge com o seguinte decreto: para recuperar a TARDIS e poder ir embora, Steven e Dodo precisarão vencer de seus bonecos em vários jogos, enquanto o Doctor enfrenta o próprio Toymaker no jogo trilógico. Se perderem, eles ficarão presos lá e também estarão condenados a passar o resto da vida na casa de bonecas do vilão. A partir disso, o arco mostra o desenrolar dessas batalhas disfarçadas de brincadeiras.
Um dos efeitos mais perceptíveis dos problemas de saúde enfrentados por William Hartnell nessa fase da série é que sua presença nos arcos diminuiu consideravelmente na terceira temporada. Isso e seus conflitos com o produtor John Willes quase fizeram com que sua saída da série acontecesse neste arco. O plano era que, após ficar invisível, o personagem voltaria com outra aparência. Mas eles mudaram de ideia e decidiram apenas dar uns dias de férias para o ator. A ideia de resolver a ausência de Hartnell tornando o Doctor invisível e inserindo os áudios dele, ao invés de simplesmente deixá-lo de fora e jogar a responsabilidade na mão dos companions, fez toda a diferença, pois manteve a importância da experiência e da astúcia do personagem na resolução do problema.
Outro ponto positivo vai para as referências a algumas histórias infantis clássicas, como O Soldadinho de Chumbo e Alice no País das Maravilhas, que foram usadas de maneira inteligente, sem copiar os contos. O visual se destaca por ser bastante diferente do que geralmente vemos na série, já que a trama não é histórica nem futurista. As fantasias e o cenário se aproximam mais do que é esperado para um programa infantil, criando um paradoxo com o clima de aventura e os perigos enfrentados pelos protagonistas. Uma sorte é que, embora só exista um episódio do arco que não é reconstrução, a BBC tem algumas fotos coloridas da produção, onde esses detalhes podem ser vistos melhor.
Com um enredo interessante e lugar para um desfecho bem elaborado, The Celestial Toymaker é um arco marcante. Infelizmente, até hoje o vilão não voltou a aparecer em outros episódios da série, mas ele e o Doctor se encontraram mais algumas vezes em livros, audiodramas e histórias em quadrinhos, incluindo uma aventura do 12º com a Clara publicada pela Titan Comics em 2015 e intitulada Relative Dimensions. Além disso, a história pode ter inspirado o episódio Night Terrors, da 6ª temporada da série moderna, que também envolve uma casa de bonecas e pessoas se transformando em brinquedos.
Para ver The Celestial Toymaker, basta seguir este link. Já o arco da próxima resenha, The Gunfighters, você encontra aqui.
Jornalista apaixonada por histórias e personagens fictícios, principalmente se eles viajarem pelo espaço a bordo de uma cabine azul.