[Atenção: esta review contém spoilers]
Já fazia um tempo desde a última vez em que havíamos visto o Doutor em vestes de época, então Thin Ice veio pra nos levar direto ao século XIX, na Inglaterra Regencial, com direito a cenário e figurino bem caprichados. A história começa imediatamente após o final do episódio anterior, em que, na tentativa de voltar à Universidade, o Senhor do Tempo leva Bill à Londres do século XIX, mais precisamente em 4 de fevereiro de 1814, em meio a um dos invernos mais rigorosos que a cidade já teve, com o rio Tâmisa congelado a ponto de realizarem toda uma feira em cima dele.
Como esse Time Lord nunca perde a viagem, ele e a nova companion trocam de roupa e saem para explorar o lugar. Nesse momento, Bill tem uma fala que fez todo o fandom voltar lá pra 2007, com a nossa querida Martha Jones: “Se eu pisar numa borboleta, pode causar ondas pelo tempo que fariam com que eu nem nascesse e eu poderia desaparecer”. Como podemos notar, as referências ao passado da série continuam aparecendo. Está cada vez mais claro que Moffat está usando essa sua última temporada para fazer também um grande tributo à história de Doctor Who. Nada mais justo, vindo de alguém que também é um grande fã da série há tanto tempo.
Por falar em referência, não é a primeira vez em que o Doutor visita essa feira, como ele mesmo contou à Bill. Não tivemos um episódio mostrando isso, mas quando River Song encontra Rory em A Good Man Goes to War, ela diz que está voltando de uma comemoração de seu aniversário em que o Time Lord a levou a esse mesmo evento. Mais legal ainda é que o contexto histórico é real. Feiras como essa realmente aconteciam no Tâmisa quando o rio congelava, e a última foi justamente a de 1814. E por mais louco que pareça, realmente colocaram um elefante pra andar em cima do gelo, como vimos na primeira cena.
Pra completar a pegada clássica do episódio, a trama envolve um grupo de crianças órfãs, um assunto que nos remete a alguns clássicos da literatura de língua inglesa, como Oliver Twist (Charles Dickens) e As Aventuras de Huckleberry Finn (Mark Twain). Mais que um plano de fundo, as crianças estão lá representando uma parte marginalizada da sociedade, em contraponto com alguns poucos privilegiados que se aproveitam dessa situação para manter-se no poder. No fundo, é nessa relação que o episódio quer chegar.
A problemática principal surge através de um monstro aquático gigante que está devorando as pessoas com a ajuda de estranhos peixes luminosos que puxam as vítimas para baixo do gelo. Mas a criatura se mostra só mais uma vítima, enquanto o verdadeiro vilão é o ambicioso Lord Sutcliffe, que mantém um negócio bem rentável a partir dos dejetos do animal (eca!). O momento em que o Doutor e Sutcliffe se encontram rende não só um inesperado [e maravilhoso] punho no rosto do safado, mas também mais um dos geniais discursos do Senhor do Tempo. Quem não sentiu vontade de bater palmas para aquele “O progresso humano não é medido pela indústria. É medido pelo valor que você coloca em uma vida. Uma vida sem importância. Uma vida sem privilégios”?
O clímax e o desfecho do episódio são daqueles para lembrar ao público que a série vai muito além da ficção científica. Por trás de toda a fantasia, Doctor Who aborda questões relacionadas à essência do ser humano. Não é sem propósito que o personagem principal seja um alienígena convivendo com humanos em diferentes épocas e situações. Em Thin Ice, o foco foi o quão desumanas as pessoas podem se tornar quando acreditam que são melhores que as outras e colocam os seus interesses acima das vidas alheias. O episódio ainda abordou o racismo, como uma forma de mostrar que a coisa vai além de questões econômicas. A falta de informações sobre de onde vieram os peixes estranhos e o gigante marinho pode ter deixado a desejar, mas a trama deixou bem claro que, às vezes, as coisas com que precisamos nos perocupar não são as que veem de fora, mas as que estão em nós mesmos.
A relação entre o Doutor e a Bill também deu um passo importante nesse episódio. A nova companion começou a ter uma ideia do quanto ele já viveu e da complexidade emocional envolvida na responsabilidade adquirida de ser um herói. Responsabilidade essa que ele passa pra ela quando a faz decidir sobre o destino do mostro marinho, em mais um diálogo “déjà vu”: o Doutor disse quase as mesmas palavras para Clara no episódio Kill the Moon, da sofrível oitava temporada. A trama também tem algumas semelhanças com a situação vivida entre ele e Amy em “The Beast Below”.
E quando a gente achava que não tinha mais nada de importante pra acontecer… O QUE FORAM AQUELAS BATIDAS NO TAL DO COFRE? Ficou claro que o que quer que esteja lá dentro está querendo sair, e que a missão do Doutor e do Nardole é evitar isso. As tais batidas (que acontecem num ritmo de três em três, mas são quatro no finalzinho) reforçaram as teorias de que pode ser o Mestre/Missy lá dentro, porém é bom lembrar que isso também pode ser uma bela trolada de Moffat na gente. Só nos resta aguardar (e especular, é claro).
Jornalista apaixonada por histórias e personagens fictícios, principalmente se eles viajarem pelo espaço a bordo de uma cabine azul.