[Acredite: você não quer spoilers desse episódio. Se ainda não viu, assista e volte aqui quando terminar]
“Nãaaaaaaaaao!!!” Esse grito eu dei junto com o Doutor no início de World Enough and Time. Pra quê jogar esse vislumbre da regeneração nas nossas caras tão cedo, né? O coração dói só de pensar que a era Capaldi está chegando ao fim, mas pelo menos tem tudo pra ser um fim digno. A 10ª temporada vem passando longe da decepção, e esse penúltimo episódio subiu mais um degrau na escala de qualidade, que já vinha alta.
Após muitos meses de expectativa, desde antes mesmo da estreia da temporada, finalmente temos um episódio em que a participação da Missy é central para a história. Michelle Gomez recompensou nossa espera com uma atuação sempre maravilhosa, entregando a personagem com sagacidade renovada e a mistura entre maldade inata, loucura e ar de figura de musical clássico que conquistou nossos corações. Dessa vez, ela começa fazendo uma imitação do Doutor, na missão/teste que ele a deu de ficar no seu lugar, enquanto ele observa como ela se comporta. Tarefa essa que mostra mais uma vez a relação de “amor e ódio” entre os dois Senhores do Tempo, muito bem explicada nos diálogos entre ele e a Bill antes de fecharem o plano.
Além de muitas risadas para o espectador, as cenas da Missy fingindo ser o eterno amigo/inimigo trazem um diálogo que flerta brilhantemente com antigas discussões entre os fãs da série. Todo aquele papo sobre o nome do Time Lord ser na verdade Doctor Who e não apenas Doutor (ou The Doctor), tem mais a ver com uma velha briga entre os whovians do que com o nome que o personagem tinha quando foi batizado em Gallifrey. E uma frase específica parece um recado do fanboy Moffat a respeito de como ele pensa sobre o assunto: quando a Bill fala que ninguém sabe o nome do Doutor, Missy responde “Eu sei, porque cresci com ele. E seu nome é Doctor Who”. O showrunner ainda deu um jeito bem esperto de explicar seu argumento. Logo após dizer que esse é o verdadeiro nome, Missy dispara “Olhem para as telas!”. No enredo, ela estava chamando atenção para os monitores da sala de comando, mas é bom lembrar que um dos maiores argumentos de quem defende a legitimidade de chamar o Doutor de Doctor Who é que até o final da era Tom Baker os créditos nas telas mostravam o nome do personagem como Dr. Who ou Doctor Who. Esse último voltou a ser usado em 2005, já na série moderna, mas depois ele voltou a ser creditado como The Doctor. Para não deixar dúvidas, a sequência ainda traz outra questão parecida, a de quem chama (ou chamava) os companions de assistentes.
Por falar em nomes, o título do episódio é de um poema do século XVII (To His Coy Mistress, de Andrew Marvell), mas não poderia descrever melhor a história. Afinal “mundo” e “tempo” têm tudo a ver com a situação que se estabeleceu na nave onde o time TARDIS foi parar. A nave em questão já funciona como um pequeno mundo, com seus 650 km de comprimento e 160 km de largura, e a questão da diferença de tempo entre suas duas extremidades, por causa do buraco negro, é o fator crucial para o desenvolvimento dos Cybermen. Aliás, o problema do tempo tem mesmo base científica. Pra quem se interessar pelo assunto, vale dar uma pesquisada na Teoria da Relatividade e na dilatação do tempo (boa sorte!).
O que não precisa estudar Física pra perceber é a diferença na maneira como os Cybermen foram mostrados dessa vez. Quem gostava de dizer que os antigos vilões não colocam medo em ninguém teve motivos para rever seus conceitos. Sem suas armaduras brilhantes e aquele visual de Homem de Ferro da Marvel, os alienígenas ficaram muito mais aterrorizantes e renderam bons momentos de tensão. Além da aparência mais sinistra, os mondasianos em processo de conversão serviram pra mostrar mais incisivamente o que é a questão principal desse vilão: a dor de ser transformado em uma máquina e perder tudo que lhe faz “humano”.
Já se vão bons 50 anos desde a primeira vez em que os Cybermen de Mondas apareceram na série, no episódio The Tenth Planet. Eles foram os responsáveis pela regeneração do primeiro Doutor e têm uma origem diferente dos primeiros Cybermen mostrados na série moderna, em Rise of the Cybermen. Estes últimos eram originários de um universo paralelo, enquanto os primeiros vieram de Mondas, um planeta fictício “gêmeo” da Terra, mas no nosso Universo mesmo. Nenhum episódio de TV da série mostrou como os Cybermen mondasianos foram criados, mas a história foi contada em um audiodrama lançado pela Big Finish, Spare Parts, que faz parte do canon da série. Portanto, é possível que haja alguma explicação para essa nova gênesis dos Cybermen, como chamou aquele a quem amamos odiar, o Mestre.
Por falar em Mestre, o que falar da tão esperada volta de John Simm? Eu confesso que, embora tenha ficado intrigada com Mr. Razor, não suspeitei de quem ele fosse até pouco antes de o mistério ser revelado. Aparecer disfarçado não só causou uma surpresa maior no público, mas também foi uma forma de rememorar o Mestre na série clássica, que usou e abusou desse tipo de truque. O visual do personagem, com aquele cavanhaque, também faz alusão a outros tempos do vilão. É bom observar que o Doutor também teve seu momento de lembrar velhos hábitos, bem antes do clímax do episódio, dando um golpe de Aikido Venusiano, muito usado pela sua terceira encarnação.
E a Bill, hein? Parece que a temporada inteira foi feita pra nos afeiçoarmos a ela, só pra ficarmos nessa angústia sobre o destino da moça. Desde a sequência do tiro, intercalada com as cenas das conversas entre ela e o Doutor, e o pedido de que ele não a deixasse morrer, até a conversão em Cyberman, o público lutou para não acreditar no que estava acontecendo com a personagem. E ainda estamos lutando. Será que ainda existe uma forma de salvar a companion? Se não houver, será um dos destinos mais cruéis reservados para um amigo do Doutor desde o início da série. Mas não adianta especular. Isso a gente só vai ficar sabendo no próximo episódio, que encerra a temporada.
Jornalista apaixonada por histórias e personagens fictícios, principalmente se eles viajarem pelo espaço a bordo de uma cabine azul.