Review: The Star Beast

Apesar de não ser mais usuário do Facebook, mantenho a minha conta ativa para algumas checagens pontuais. No último sábado, dia 25 de novembro após o episódio, acabei passando por um comentário acalorado sobre o primeiro dos três especiais em comemoração ao 60º aniversário de Doctor Who.

No comentário, a pessoa disse que achou RIDÍCULO, em caps lock mesmo, e, entre outros pontos que acredito nem valer a pena mencionar, reclamou que o episódio não focou nos personagens queridos do público. Pois bem. Fiquei com isso na cabeça e, durante a vida, fui lembrando que a série já fez isso (de trazer diversos personagens e encarnações populares do Doutor para fazer uma grande festa). Não só fez, como fez diversas vezes, tanto na clássica, com histórias do tipo The Five Doctors, como na moderna, com The Day Of The Doctor. Isso sem nem contar o universo expandido de áudios e histórias em quadrinhos onde esse tipo de encontro rola o tempo todo.

The Star Beast (A Fera Estelar) brilha com uma fórmula que, pra mim, é o que faz Doctor Who ser Doctor Who e tal fórmula também aparece em alguns dos meus episódios favoritos: uma aventura onde o foco fica na correria, na confiança que as pessoas colocam no/a Doutor/a quando o mundo parece estar acabando, na relação de amor e companheirismo entre os personagens, no universo e nas suas infinitas possibilidades. Aliás, essa relação de amor que transborda não fica só na mitologia de dentro do episódio, mas também na sua produção – e, por falar em produção, já na abertura conseguimos notar o novo investimento que a série recebeu.

A partir de agora, se você não assistiu o episódio, aconselho assistir e voltar depois, pois essa não é uma review livre de spoilers e alguns pontos do enredo serão discutidos.

O especial The Star Beast é um episódio que foi adaptado de uma aventura dos quadrinhos de mesmo nome que foi lançada lá em 1980. Agora pouco eu mencionei que as pessoas que fazem Doctor Who amam fazer Doctor Who e eu quis começar assim porque, como fui descobrir depois, os autores originais do quadrinho foram convidados para visitar o set de filmagens e ver o resultado da história que eles imaginaram há mais de quarenta anos. Embora sem legenda, o behind the scenes está no canal oficial de Doctor Who no YouTube e vale a pena dar uma olhada.

Antes de mais nada, um dos receios que eu tive após do anúncio da volta do Tennant e antes de assistir The Star Beast, era de que a era da Décima Terceira Doutora, interpretada pela Jodie, fosse de algum jeito ignorada, mas, dos primeiros minutos à conclusão da aventura, várias referências à Doutora foram feitas. Outro fator que aliviou minha tensão pré-episódio foi ver que o David Tennant e a Catherine Tate continuam sendo uma dupla afiadíssima em cena.

Já no comecinho do episódio, vemos o Décimo Quarto Doutor, interpretado brilhantemente por David Tennant, esbarrando por acaso em Donna Noble que, acompanhada da sua filha Rose, estava fazendo compras para a loja de brinquedos de pelúcias online que Rose tem.

No final da quarta temporada, lá em Journeys End (2008), o então Décimo Doutor foi obrigado a apagar a memória da Donna, depois que ela absorveu energia time lord na metacrise biológica que resultou na dupla Doutor-Donna. E, como sabemos, Donna não pode se lembrar do Doutor. E é aí, com uma nave caindo e desencadeando uma sequência de acontecimentos, que Donna não pode assimilar, sob o perigo de vida, que a aventura começa.

Da nave, uma perseguição entre Wrarth Warriors e o Meep resulta com o último se escondendo no quartinho que a Rose usa para confeccionar suas pelúcias. Por ser uma garota trans enfrentando violências sociais, Rose consegue facilmente criar uma ligação emocional com o fugitivo Meep, último da sua espécie: ambos se sentem sozinhos e deslocados.

Um ponto importante para a construção do relacionamento familiar entre Rose, Donna, Sylvia e Shaun Temple é o fato de que Rose ser uma garota trans não muda em nada o amor que ela recebe da família, embora, às vezes, ainda se adaptando. Donna, aliada da causa trans, comenta que é simples: você tem uma criança, ela cresce, se torna uma garota linda. E é isso. E ela, Donna Noble, deixa claro que faria qualquer coisa para proteger a filha.

Em paralelo, a UNIT está investigando a nave que pousou dentro de uma metalúrgica quando a conselheira científica Shirley Anne Bingham encontra o Décimo Quarto Doutor fazendo a sua própria investigação. Essa investigação acaba com os soldados da UNIT, agora infectados com algum tipo de parasita, indo em direção à residência Noble.

Chegando na casa, temos uma das cenas mais engraçadas do episódio, quando a família toda se reúne envolta do Meep, com Sylvia tentando fazer com que Donna ignore o alienígena, gente chegando, soldados batendo na porta. O puro caos de uma família média britânica que se envolve com o Doutor. Nessa cena temos outras insinuações de que, apesar de manter o mesmo rosto que o Décimo, esse é o Décimo Quarto Doutor. Ele está mais emotivo e não economiza declarações de amor. Percebemos que, sim, esse é um Doutor que passou pelas gravatas borboleta, por sotaques britânicos e pela Doutora que o precedeu. Donna também não é exatamente a mesma que conhecemos na quarta temporada: ela está mais altruísta, mais compassiva e, acima de tudo, maternal.

Com a ajuda da mais nova funcionalidade hightech da chave de fenda sônica, o grupo consegue escapar dos soldados e dos Wrarth Warriors que estavam invadindo a residência dos Noble (e Temple), criando um campo de guerra com tiros para todo lado. Escaparam para logo depois descobrirem que, na verdade, o vilão do episódio é o pequeno e fofo Meep. E carnívoro, diga-se de passagem. Mas o Doutor é o Doutor e consegue ganhar tempo. Eles são levados como reféns, mas conseguem uns minutos a mais para bolar um plano.

Plano esse que tem como consequência Donna e Doutor presos, tentando evitar que o Meep destrua toda a cidade de Londres na ignição da nave, levando consigo todos os seus habitantes. Como o único jeito de conseguir desativar o lançamento da nave seria tendo duas pessoas com vastos conhecimentos tecnológicos (e universais) trabalhando em conjunto, Donna decide se sacrificar para que, juntos, Doctor-Donna consigam salvar o dia. David Tennant e Catherine Tate mais uma vez dão show de atuação e nos fazem lembrar o porquê de serem uma dupla tão querida do público.

Após conseguirem anular o lançamento da nave, o Doutor, com Donna sem vida nos braços, é descoberto pelos soldados-parasitas. O grande plot twist do episódio fica com a revelação de que parte da energia que seria causadora da morte de Donna foi passada para Rose. Nesse momento somos lembrados de que a entidade Doutor, como também muitos de nós, é binária, não binária, ambos e muito mais.

Sobre o episódio, Lu (@lu_msquare), companion regular aqui no Universo Who, disse:

“Não binário. Foi só recentemente que esse termo e tudo o que representa começou a tomar espaço na mídia. Apesar de meio brega, alguns acusam até que foi woke demais, a cena onde Rose se revela parte integral da trama foi a mais necessária para mim. Como uma pessoa que viveu uma longa jornada até estar em paz com a própria não binariedade, Rose Noble rapidamente vira uma favorita. Com o planeta sendo salvo pelo poder dos Enbys , me senti como se assistisse a décima temporada da série novamente, vendo Bill Potts ser a maior lésbica a aparecer na telinha. Foi fácil lembrar do porquê assisto a série há mais de uma década e aprender uma nova lição: estamos aqui e não vamos para lugar nenhum.”

A energia que poderia destruir Donna e Rose? É simples: só liberar e todos ficam bem.

Ademais, também recomendamos essa matéria que trouxemos aqui para o Universo Who em abril de 2020:

Doctor Who sempre foi um seriado político – e tem o direito de ser

Antes de me despedir, bato mais uma vez na tecla de que quem faz Doctor Who ama fazer Doctor Who, porque, por exemplo, David Tennant fez camisetas e assistiu o episódio rodeado da família e dos amigos, todos uniformizados. Ou porque Sophie Cowdrey, que é assistente de design gráfico e que trabalhou na produção do episódio, comentou que às vezes ia almoçar no set da TARDIS só para admirar o trabalho que foi feito ali. Ou a menção sensível feita ao Wilf, interpretado por Bernard Cribbins, que faleceu em julho de 2022. Ou, até mesmo, nós, do Universo Who, nos emocionando ao assistir e querendo ouvir as opiniões do outros membros do time. Tudo isso, pra mim, é o que comemoramos nesse primeiro episódio especial do sexagenário.

Nos vemos por aí no tempo e espaço. Até a próxima.

Escrito por: Gustavo França.

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