A BBC liberou recentemente um conto de Doctor Who inédito, escrito por Pete McTighe, roteirista dos episódios Kerblam! e Praxeus. Leia aqui a história traduzida.
APERTE O PLAY
A Doutora estava se sentindo sozinha. Na maioria das vezes, ela podia suprimir esses sentimentos e se distrair salvando um planeta, evitando uma guerra ou congelando emergencialmente filhotes de krynoides. Mas não hoje. Hoje era diferente.
Hoje, ela se sentou nos degraus da sala de console da TARDIS, mastigando seu último biscoito de creme, observando o cristal de controle brilhante subir e descer.
Subir e descer.
Subir e descer.
Enquanto sua nave/máquina do tempo estava no modo de recarga do Artron II, a Doutora não podia permitir mais ninguém a bordo, principalmente os humanos – os pulsos de Artron causam estragos em DNA humano. Ela lembrou-se com culpa daquela vez com David Bowie, quando sua pupila esquerda se dilatou permanentemente.
A Doutora suspirou, saboreando seu bocado final de biscoito. Seu cérebro ainda trabalhava a 13 milhões por minuto, em segundo plano, fazendo backup como o maior e melhor disco rígido do universo, mas parecia entorpecido e distante. Se ser ranzinza era uma emoção, ela estava sentindo.
Então a TARDIS apitou. Um som simpático e peculiar que ela nunca ouvira antes. Era como se soubesse o que ela estava pensando (o que, é claro, sabia secretamente). Curiosa, a Doutora levantou-se e, em resposta, um jato de vapor sibilou para fora do console. Projetada no vapor, havia uma linha de texto em galifreiano antigo:
Você tem uma mensagem não lida.
“Que mensagem??” a Doutora deixou escapar em voz alta. “Desde quando você começou a receber mensagens?”
Desde eras atrás, a TARDIS respondeu em uma série petulante de zumbidos e assobios.
“Bem, olha quem está toda falante! Onde você estava em setembro passado quando fiquei sem monólogos?”
Só leia a mensagem, a TARDIS parecia dizer.
A Doutora apertou um botão no console e depois girou quando um holograma criava forma e se congelava em sua frente. Ela sentiu uma onda de emoção enquanto olhava para o rosto diante dela.
A garota estava na adolescência, com um cabelo preto escuro, uma blusa listrada e olhos brilhando de malícia. A visão dela quebrou o humor sombrio da Doutora como um ovo.
“Olá, vovô!”, disse o holograma.
A voz da Doutora ficou presa na garganta.”Olá Susan”, ela finalmente respondeu. Era claramente uma gravação feita quando sua neta ainda era adolescente. Quando eles estavam viajando juntos, tantas vidas atrás.
A imagem de Susan estalou enquanto ela continuava falando: “Construí um banco de mensagens e um sistema de recuperação no núcleo de dados da TARDIS, para um dia chuvoso. Caso você precise se animar. Eu sei como você é quando fica entediado ou sozinho”.
“Como eu sou?”, rebateu a Doutora defensivamente.
“Rabugento”, respondeu Susan.
A Doutora apertou o aparelho e franziu a testa.
“Eu sei que nada dura para sempre”, continuou Susan, “e que, eventualmente, teremos que dizer adeus. Mas quando esse dia chegar, quero deixar algumas lembranças de nosso tempo juntos.”
Os olhos da Doutora se enevoaram. Havia um nó na garganta.
“Não apenas de mim, mas de futuros amigos. Tempos e lugares futuros. Ativei o modo de gravação na TARDIS, telepaticamente vinculado à sua extração de dados. Portanto, se você estiver se sentindo entediado, sozinho ou triste, basta acessar o banco de dados e recuperar uma memória favorita. Ele continuará gravando até você pedir para parar. Todas as suas aventuras, todas as suas histórias não serão desperdiçadas. Elas sempre estarão aqui, esperando por você, como um arquivo. Vivo por toda a eternidade.”
Atordoada, a Doutora assistiu a um fluxo de texto aparecendo na tela. Aventuras antigas, registradas em uma longa lista que aparentemente rolava para sempre.
“Alguns dos primeiros podem ter lacunas, desculpe por isso. Você sabe como é a TARDIS com a integração de novos sistemas. ”
A TARDIS resmungou em desaprovação.
“De qualquer forma, é melhor eu ir ou vou me atrasar para a escola. Espero que esta mensagem chegue até você algum dia. Quando você mais precisar.”
Com um sorriso final, a imagem de Susan piscou e depois evaporou. A Doutora olhou para o espaço vazio por um longo tempo. Segundos, pelo menos. Então ela entrou em ação, percorrendo a lista interminável de títulos, sem saber por onde começar. ‘Crisis on Poosh,’ ‘Genesis Of The Daleks’, ‘Attack Of The Postmen’, ‘The Timelash’, ‘100,000 a.C’ – também conhecido como An Unearthly Child, que também é conhecido como Aquele na Idade da Pedra.
“O sistema de etiquetagem inteligente é um pouco aleatório”, pensou a Doutora, com o dedo pairando sobre o botão de ativação. Finalmente, ela fez sua seleção – e pressionou PLAY.
O console da TARDIS piscou novamente. Resultado! Os biscoitos de creme foram reabastecidos! A Doutora arrancou ansiosamente um do dispensador e recostou-se para assistir a imagens nebulosas se formarem na tela.
Enquanto mastigava, decidiu que iria fazer uma vídeo chamada com Graham, Ryan e Yaz mais tarde, mas, por enquanto, estava distraída com o presente que Susan havia deixado para trás; um suprimento infinito de histórias; um cobertor confortável de boas lembranças e velhos amigos.
E um lembrete.
Que ela nunca, jamais, estava sozinha.
Material original: site oficial de Doctor Who