CONTO: Doctor Who e a Guerra do Tempo

Os fãs de todo o mundo puderam comemorar o aniversário de 15 anos de “Rose” com uma transmissão ao vivo do episódio, todos usando a hashtag #TripofaLifetime para conversar no Twitter (incluindo o showrunner e escritor do livro Rose, Russell T. Davies!). Vale lembrar que todos os episódios das temporadas de 1 a 12 de Doctor Who estão disponíveis agora para assistir no Globoplay.

Para celebrar e unir os fãs de Doctor Who em todo o mundo, Russell T Davies escreveu uma introdução e forneceu esse prequel para Rose.

Introdução, por Russell T Davies

Isso nunca deveria existir.

No início de 2013, Tom Spilsbury, editor da Doctor Who Magazine, me perguntou se eu queria contribuir para o grande especial de 50 anos da série que seria feito na DWM. Talvez abordando essa enorme lacuna na história de Doctor Who, sobre como o Oitavo Doutor se regenerou no Nono?

Eu disse bem, sim, não, mas não é melhor deixar para a imaginação? Se eu escrever um roteiro, seria muito real, muito fixo, muito canônico. Só que Tom nunca desiste. Ele disse: tudo bem, e se você escrevesse, digamos, as páginas finais de um romance da Target? Sobre os últimos dias da Guerra do Tempo. Os momentos finais do Doutor. E poderíamos apresentá-lo como um fragmento sobrevivente do Novel That Never Was. Dessa forma, a história pode existir naquele espaço semi-real dos spin-offs, possível, mas não factual, apenas ligeiramente canônico, se você escolher.

Ok Tom, você me convenceu. Estou dentro.

Então eu escrevi. Ele começa no meio de uma frase, como se você o tivesse aberto nas últimas páginas. Lee Binding criou uma linda capa. Nós estávamos extremamente animados. E então o Tom disse que seria melhor termos a aprovação do Moffat, só por precaução…

“Ah”, disse Steven. Ah.

Como poderíamos saber que teria um Doutor extra em The Day of the Doctor, o Doutor da Guerra? Steven também não nos contou sobre The Night of the Doctor. Ele manteve essa regeneração em segredo! Ele apenas pediu desculpas e nos perguntou se poderíamos manter essa parte da história intacta. Mesmo insatisfeito, eu concordei, fui para cama e disse que ele iria dormir no sofá naquela noite.

A ideia ficou esquecida até 2020, quando um vírus, que parece ter saído de uma ficção científica, surgiu e alterou a vida de todos (sinceramente, eu já escrevi o fim do mundo cem vezes, mas nunca poderia imaginar que vivenciaríamos o fim do mundo de nossos sofás). Emily Cook da DWM sugeriu fazermos uma live para assistir The Day of the Doctor, e então a ideia passou para Rose, e depois me perguntou se eu teria algo para contribuir. Na mesma hora, eu recebi um e-mail de Chris Chibnall, dizendo que nesse período precisaríamos mais do que nunca do Doutor, e se eu poderia pensar em algum material.

Por algum milagre esse arquivo ainda existia. Lee ainda estava com a ilustração (o que era esperado, devido ao contrato). Olhando para trás é engraçado ver como tudo se encaixa. No conto, o Momento é descrito como latão e carvalho, o que não difere muito da ideia final (não estou falando da Billie). Às vezes eu me pergunto: “será que Steven e eu não copiamos, sem querer e perceber, toda a estética do Oitavo Doutor”?

O mais relevante disso tudo é que essa história era passado. Esse capítulo foi deixado de lado porque se tornou incoerente com a continuidade da série. Mas agora, com todas as portas que a Décima Terceira Doutora abriu, nós temos infinitas possibilidades.

Todos os Doutores existem.

Todas as histórias são verdadeiras.

Então venham comigo para o meio de uma guerra terrível, quando o Doutor pega o Momento e muda tudo no universo para sempre…


Doctor Who e a Guerra do Tempo

mas os Daleks e os Senhores do Tempo gritam em vão, longe demais para pará-lo agora. E então o Doutor permanece sozinho.

Ele olha pelo seu ninho de águia os destroços de mil mundos. Abaixo dele, fragmentos da Guerra do Tempo, recifes quebrados de Gallifrey e Skaro deixados para apodrecer. A madeira quebrada de sua plataforma rangia devido ao frio, uma milha acima, sobre os fragmentos da Capital Vermelha de Morbius, suas vis torres se fundiam com as quebradiças torres frágeis da Igreja de Yarvelling. E então o Doutor consegue vislumbrar a Terra. O planeta foi replicado um milhão de vezes para se tornar munição na caveira da Criança Pesadelo, e agora, pedaços da sociedade humana foram misturados com o deserto abaixo – relíquias de Mumbai, estilhaços de Manhattan, uma sátira da antiga Londres. Resquícios de tempos melhores.

O Doutor olha para baixo. O esqueleto dela aos seus pés. Os ossos relaxam no pó, e então ela se vai. Ele olha para cima.

De frente para ele, na borda da plataforma uma alça de latão, fixada em uma simples armação de carvalho, é o que sobrou do Momento neste mundo. O resto de seu enorme volume, escondido, acorrentado em forma de N e se sacudindo atrás de uma parede dimensional, implorando para ser usado.

Ele dá um passo à frente. Ele agarra a maçaneta. Ele se pergunta quais devem ser suas últimas palavras. Ele decide que as últimas palavras são inúteis. Ele puxa a maçaneta para baixo, plana.

O Momento ocorre.

O universo canta.

A guerra acaba.

Cercado por luz, o Doutor observa o céu se abrindo e revelando, assim como Bettan e os Artesãos da Morte de Goth haviam previsto, o evento final.

A Gallifrey Original convulsiona e se abre em chamas. Seus anéis concêntricos de naves de guerra Daleks tornam-se silhuetas, e então pó, e então…

O Doutor cai. Cada átomo a seu redor é sugado para cima, para o fogo, mas ele consegue cair, salvando-se – ou se condenando – pela sombra do Momento. Acima dele, ele sente a Trava Temporal se solidificar, selando a guerra da realidade, e quando seu corpo cai para fora da existência, no plasma, e então no depois, e além, o Doutor cai, a cabeça primeiro, depois os braços mergulhando para a infinidade.

Sozinho.

Exceto…

Ali.

Algo mais.

Caindo.

Girando…?

Um turbilhão azul. O fiel azul. E então, um retângulo branco, se abrindo, uma porta se aproximando dele, e o crescente barulho de motor antigo, ele pensa: estou indo para casa.

O Doutor deita no chão da Tardis. Seus ossos estão quebrados da queda, seus corações ocos por sua perda. Ao seu redor, a sala de controle se curva, se deforma, estremece, ainda sofrendo com a ressurreição do Mestre pelo Alto Conselho, há tanto tempo. Ela quer uma nova forma. “Eu também”, murmura o Doutor com um triste sorriso, embora ele saiba que uma regeneração é impossível. O Momento fixou sua existência, e esta vida é sua última.

Ele se pergunta que idade possui agora. A Guerra do Tempo utilizou anos como munição; apenas na Batalha do Casamento de Rodan, ele envelheceu até os cinco milhões e voltou a ser um bebê chorando, apenas com estilhaços. Agora, a dor em seus ossos parece ter… mil anos? Bem. Digamos novecentos. Soa melhor.

A escuridão rodopia em sua mente e ele força um sorriso, pronto e ainda assim, nunca pronto para o fim. Ainda sem palavras finais.

E então…

Seria possível…?

Ele sente novamente.

Aquela velha agitação em cada osso e músculo e pensamentos. A alegria. O horror. A mudança, a mudança impossível!

Maravilhado, ele levanta a mão. Olha fixamente fascinado, enquanto sua pele se enche de um novo e curioso dourado.

Fica claro que ela o enganou bem no final. Seu beijo final não era um adeus, ela o marcou com a Restauração. Seu ciclo foi reiniciado. Um novo homem prestes a nascer. Então este é o significado da última canção dela: um novo corpo para expiar a culpa. Ele pode até passar essa Restauração para outra pessoa, um dia.

Subitamente, elas chegam apressadas: suas últimas palavras. Ele as diz em voz alta, mas não há ninguém para escutar. Dessa forma, elas passam a ser eternamente imaginadas.

Seu núcleo se transforma em estrelas. Cada poro emanando luz. Um vulcão de energia espessa e viscosa, saindo de seu pescoço, suas mãos, seus pés, seus órgãos, seus corações, sua alma – e para.

O Doutor se senta. O novo Doutor, o próximo Doutor, o atual Doutor. Ele levanta seus novos dedos para tocar sua nova cabeça. Seu novo queixo. Seu novo nariz. Ele respira fundo com seus pulmões novos, secos, largos. E ele diz sua primeira palavra.

“Caramba!”

Traduzido de: bbc.co.uk

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