Jodie Whittaker será a primeira Doutora na história de Doctor Who, que retorna em 7 de outubro. “O pensamento de que você – que eu – poderia estar na série nunca passou pela minha cabeça”, disse ela.
Quando Jodie Whittaker recebeu a notícia há muitos meses de que era a protagonista de Doctor Who, a longa série da BBC, a atriz passou por uma série de reações esmagadoras. Ela chorou; ela recuperou o fôlego; ela animadamente apertou o joelho de um colega sentado ao lado dela.
Ao ser informada de que herdaria o papel do Doutor, um aventureiro viajante no tempo, que é talvez um dos heróis mais reconhecidos na ficção científica, Whittaker declara, “não fazia parte da minha mentalidade como atriz, achei que isso não era possível”.
Para Whittaker, de 36 anos, que até agora era mais conhecida por seu trabalho no drama policial britânico Broadchurch, a decisão da escolha do elenco era uma mudança de vida, como seria para qualquer artista – uma garantia de que, quando fosse anunciado ao público, ela se tornaria instantaneamente familiar para milhões de pessoas.
No caso dela, no entanto, há uma distinção inevitável: nos 55 anos de história de Doctor Who, durante os quais 12 outros atores retrataram oficialmente o Doutor, Whittaker é a primeira mulher.
Enquanto Whittaker e seus colegas se preparam para a primeira temporada de Doctor Who, que estréia na BBC em 7 de Outubro, ainda estão tentando achar um meio termo para falar sobre ela. Eles querem celebrar a inclusão da série sem repreender a mesma por uma falta histórica de representação, e destacar como tornaram a série mais contemporânea e mais diversificada – por trás das câmeras, bem como em frente a ela -, enfatizando que seus princípios fundamentais não mudaram.
Isso não é tarefa fácil para Doctor Who, que está acostumada a um certo escrutínio quando substitui seu ator principal a cada poucos anos. A série também é uma propriedade de entretenimento proeminente em um campo onde os esforços para diversificar são frequentemente atacados por um número significativo de fãs.
Apesar desses desafios, Whittaker disse que era um papel que dificilmente poderia resistir. “Não há outro trabalho como este”, disse ela. “E certamente não posso ser estereotipada nele.”
Um Domingo em Julho, Whittaker estava tomando café da manhã em um hotel de San Diego, tendo feito sua primeira visita como VIP na Comic-Con International na semana anterior. Nesta manhã, ela estava sonhando em voltar para o centro de convenções e se embasbacar com outras celebridades presentes, mas concluiu: “Não posso. Eu precisaria de no mínimo oito pessoas da segurança.”
Uma atriz baseada em Londres que cresceu em West Yorkshire, Whittaker ganhou atenção precoce por seus papéis em filmes como Venus (2006), contracenando com Peter O’Toole, e Attack the Block (2011), com John Boyega antes de ser a mãe de uma vítima de assassinato em três temporadas de Broadchurch.
Isso se mostrou crucial quando Steven Moffat, showrunner de Doctor Who desde 2009, decidiu deixar a série, e a BBC se virou para Chris Chibnall, o criador de Broadchurch, como seu possível sucessor.
Sobre considerar a oportunidade, Chibnall recorda: “Fiz uma lista de prós e contras, e havia 10 contras e um pro – é ‘Doctor Who’. E no momento em que começo a pensar, ó, poderíamos fazer essa história e ter esses personagens, a série começou a falar comigo.”
Chibnall, que já escreveu alguns episódios de “Doctor Who”, disse que queria que sua versão da série fosse “incrivelmente emocional”, com “histórias que ressoam com o mundo em que vivemos agora, e eu queria que isso acontecesse. Ser a temporada mais acessível, inclusiva e diversificada de ‘Doctor Who’ que já fez.”
Quando ficou claro que Peter Capaldi, que se tornou o Doutor em 2013, também estava deixando a série, Chibnall disse que tinha mais um pedido: “Eu estava procurando uma Doutora. E deixei isso muito claro.”
Embora atrizes como Helen Mirren, Judi Dench e Tilda Swinton tenham sido mencionados como candidatas ao papel, esses rumores nunca produziram resultados substanciais. Uma mudança como essa já tinha passado da hora de acontecer, disse Chibnall, para um personagem com a capacidade de mudar de forma e se regenerar em novas corpos.
“Eu estava procurando uma Doutora. E deixei isso muito claro.” – Chris Chibnall
Whittaker, que ele acreditava que poderia lidar com a complexidade emocional do personagem e seu humor, estava entre suas principais escolhas. “A precisão com que ela faz as coisas é extraordinária, e seus instintos são tão certos”, disse Chibnall sobre Whittaker, acrescentando que ela é “incrivelmente engraçada”.
Whittaker cresceu com filmes amados dos anos 1980 como “De Volta Para o Futuro”, “Os Goonies” e “E.T. – O Extraterrestre”, anos em que teve poucas protagonistas femininas com quem se identificar.
Mas se tratando de Doctor Who, ela disse, “o pensamento de que você – de que eu – poderia estar nisso nunca passou pela minha cabeça.” Quando Chibnall pediu que ela considerasse uma audição para a série, Whittaker disse: “Eu estava tipo, ‘Posso ser um monstro com um monte de próteses?’”
(Depois que Chibnall explicou que queria que ela interpretasse o papel principal, Whittaker diz que respondeu: “Se eu não conseguir, ainda posso ser um monstro?”).
Após um processo de audição no qual outras atrizes também foram consideradas – Chibnall não disse quem eram – a BBC revelou a escolha de Whittaker em um comercial exibido após a final masculina de Wimbledon, em Julho de 2017.
Chibnall disse que esperava que levaria algum tempo para a base de fãs de Doctor Who abraçar essa escolha. “Eu pensei que demoraria um ano”, disse ele. “Nós estávamos como: ‘Ok, capacetes na cabeça. Protejam-se'”
De fato, o anúncio de Whittaker foi festejado rápido e amplamente, mas não universalmente. Uma hashtag depreciativa, #NotMyDoctor, circulou no Twitter e no Instagram, e a BBC recebeu reclamações de telespectadores, levando a emissora a emitir uma declaração afirmando que “O Doutor é um alienígena do planeta Gallifrey, e foi estabelecido na série que os Senhores do Tempo podem mudar de gênero”, acrescentando que a Sra. Whittaker “está destinada a ser uma Doutora totalmente icônica”.
Peter Davison, que interpretou o Doutor no início dos anos 1980, disse em uma aparição na Comic-Con de 2017 que se sentiu “um pouco triste” pela “perda de um modelo para os garotos”, enquanto Colin Baker, seu herdeiro do papel, disse que essas observações eram “lixo absoluto”, acrescentando: “Você não precisa ser de um gênero específico para ser um exemplo.”
Whittaker disse que, em grande parte, foi poupada do impacto deste debate porque não está nas mídias sociais. Se uma crítica online tiver uma avaliação prematura dela, ela disse: “Não é um fato – é uma opinião. Eu não tenho problema em alguém ter uma opinião diferente da minha. E não preciso ser amiga dessas pessoas.”
Mas se as pessoas alegarem que ela não merece o papel ou foi escolhida apenas por ser uma mulher, “eu sei que ganhei o papel por méritos”, disse Whittaker mais severamente. “Não foi me entregue facilmente. Eu não interpreto um gênero.”
David Tennant, que foi um dos colegas de Whittaker em Broadchurch e que interpretou o Doutor de 2005 a 2010, disse que uma certa reação seria esperada dos fãs de Doctor Who.
Os telespectadores apegam-se à “sua versão” do Doutor, disse Tennant, “o primeiro que eles conheceram, e há sempre uma resistência quando o ator principal muda”.
Mas, com certeza, eles também abraçam outros atores: “As pessoas que amaram um Doutor anterior e acham que nunca se apaixonarão novamente o fazem com uma rapidez alarmante”, disse ele. “É lamentável que isso seja transformado em uma questão de gênero. As pessoas simplesmente não vêem o cenário todo.”
Whittaker disse que se alguma parte do público de Doctor Who ficou desapontada com a saída de Capaldi, seu antecessor, isso refletiu bem na série.
Recordando sua experiência filmando a cena em que Capaldi se transforma nela, Jodie disse: “Estou fantasiada de Peter. Estou literalmente no lugar dele. Se alguém fica arrasado com a perda dele, isso é brilhante, porque significa apenas que a série é amada. Se o fato de ser mulher é um problema, esse problema é deles . Eu não posso nem começar a debater com isso.”
Na equipe de Doctor Who, seus mais novos recrutas dizem que se sentem revigorados pelas mudanças que estão ocorrendo por lá e estão prontos para levar o programa para sua nova era.
Quando a BBC anunciou a equipe criativa da série em Agosto, duas de seus cinco novos escritores eram mulheres e dois eram pessoas não brancas, duas de seus quatro diretores eram mulheres e um era uma pessoa não branca.
Mandip Gill, que se junta a série nesta temporada como Yasmin Khan, uma jovem companion da Doutora, disse que também pensava que um papel em Doctor Who era uma meta inatingível.
Sendo uma mulher com ascendência do sul da Ásia, ela disse: “Eu nunca pensei que isso fosse aberto para mim”.
Mesmo quando lhe disseram que os produtores queriam especificamente uma atriz do sul da Ásia que falava com um sotaque britânico do norte, Gill disse que ainda estava cética. “Eles me ouviram?”, ela diz, mostrando seu sotaque de Leeds. “Vamos ser honestos. Não vão me querer em um filme da Marvel com esse sotaque”.
Há vários meses, Gill estava no País de Gales, filmando um episódio do drama médico da BBC Casualty, nos mesmos estúdios onde Doctor Who é produzido. Quando ela foi buscar algo para comer, recorda que recebeu uma proibição específica de um assistente de produção.
“Nós andamos pelo corredor”, lembrou ela, “e o assistente disse para mim: ‘Ali é Doctor Who, você não pode entrar lá’. Eu só queria a cantina!”
Agora que está há quase um ano em Doctor Who, Gill disse que vê esse incidente com outros olhos. “Corta para nove meses depois – eu estou andando pelo mesmo corredor”, disse ela com orgulho. “E estou passando pela porta da frente.”
Fonte: The New York Times
Uma guria viciada em seriados, esportes e música. Nasci em 23/11/1991, coincidência? Moro no interior de São Paulo, mas vivo sonhando com as terras dos pampas gaúcho.