Não sabemos que criatura terráquea foi mais asquerosa neste episódio, as aranhas gigantes ou o empresário cruel, mas vamos falar de aracnídeos, roteiro e muito mais, neste review do 4º episódio da 11ª temporada de Doctor Who, “Arachnids in the UK”.
Na outra semana, Vinícius Viana trouxe o review de “Rosa”. Agora é minha vez, Djonatha Geremias, de analisar “Arachnids in the UK” (ou “Aracnídeos no Reino Unido”, na versão dublada).
SPOILERS a seguir…
Cheio de referências, dublagem polêmica e muitas patinhas fazendo arrepiar a espinha da audiência, o episódio desta semana trouxe novidades:
- Famílias dos companions
- Nova ameaça (puramente humana)
- Continuidade e progressão
- Sexualidades e relacionamentos dos companions
- Referências dentro e fora da série
Abordo esses temas neste review com uma análise geral sobre a narrativa cinematográfica de “Arachnids in the UK” e outras curiosidades de produção.
Portanto, puxe essa alavanca com a gente e allons-y!
Resumão da ópera
“Arachnids in the UK” poderia se chamar apenas “Arachnids in South Yorkshire”. Isso porque manifestação dos aracnídeos mutantes aconteceu apenas na pequena zona sul de Yorkshire, e não em todo Reino Unido.
Um episódio cheio de coincidências: Ryan morar perto de Yaz; a mãe de Yaz trabalhar no hotel-ninho; a vizinha de Yaz ser a funcionária do laboratório das aranhas.
Tivemos uma história com a rara trama de não envolver alienígenas diretamente (com exceção da Doutora). A ameaça era as criaturas terráqueas (tanto as aranhas quanto o mesquinho empresário).
A Doutora prova aos novos amigos que pode pilotar a TARDIS com alguma precisão (depois de muitas tentativas). Eles pousam 30 minutos depois dos momentos finais de “The Woman Who Fell To Earth”. Em outras palavras, no mesmo instante em que a aventura aracnofóbica acontecia, a Doutora e seus amigos estavam simultaneamente a muitos anos-luz dali vivenciando os eventos de “The Ghost Monument”.
Por fim, após serem confrontados com encarar suas famílias e as vidas que deixaram para trás, os companions finalmente decidem ir embora com a Doutora. Isso por iniciativa própria, sem esperar por convite e já tendo ciência dos perigos a que estariam sujeitos.
O objetivo do episódio foi justamente nos mostrar mais sobre o drama das vidas pessoais dos companions. Também sobre como a Doutora está ansiosa pelas novas amizades. Algo me diz que, se ela perdê-los, a dor vai ser tão ou mais intensa do que quando ela perdeu Amy Pond ou Rose Tyler.
Companions reencaram as famílias
A Doutora diz que o instinto de toda criatura é “voltar para casa”, e tínhamos ali o principal drama dos companions para “Arachnids in the UK”.
Portanto, voltar para a Terra exigiu mais deles do que imaginavam. Isso porque não se tratava apenas de sair de situações inóspitas para o mundo normal que conheciam. Significou encarar as famílias e tudo aquilo que eles não suportavam mais.
- Yazmin precisou encarar as loucuras dos pais e a perseguição da irmã, mesmo amando todos;
- Ryan precisou encarar a relação forçada com o pai ausente;
- Graham precisou encarar o luto e a “presença” da falecida esposa em cada memória na casa.
E também a Doutora:
- A Doutora encarou a ameaça da solidão de ter que viajar sozinha na TARDIS, de novo…
Apesar de ter sido em pequenos momentos, pudemos ver que a Doutora sentiria-se muito mal viajando sozinha. Também sabemos que os primeiros amigos de cada nova regeneração são os mais importantes para ela.
Nesse contexto, encarar a família é também encarar a falta de tudo aquilo que ela não consegue nos proporcionar.
Pensando nisso, Yaz, Ryan e Graham decidiram, cada um por razões individuais, abandonar a vida na Terra e seguir uma jornada perigosa e imprevisível com a alienígena mais solitária do universo.
A família de Yasmin
Estruturada e “tradicional”, a família da oficial de polícia Yasmin Khan (Mandip Gill) tem problemas caseiros comuns. Porém, em “Arachnids in the UK”, é visível que se amam e se respeitam, dentro dos limites das provocaçõezinhas.
Nesse contexto, Yaz se vê sem espaço para crescer e alcançar seus desejos mais ambiciosos. Ama a família, mas não vê nela uma oportunidade de crescimento.
A irmã caçula, Sonya (Bhavnisha Parmar), cutucando-a com ironias; o pai, Hakim (Ravin Ganatra), com suas manias inconvenientes; a mãe, Najia (Shobna Gulati), com sua personalidade louquinha e constrangedora.
Yaz precisa de mais do universo, da vida e de si… e só a Doutora em sua TARDIS parece ser o caminho para esta jornada imprevisível.
A família de Ryan
Até agora, o único familiar direto do companion Ryan Sinclair (Tosin Cole) que conhecemos foi a falecida avó dele, Grace O’Brien (Sharon Clarke). Não estamos considerando aqui os possíveis parentes não identificados que apareceram como figurantes no velório dela.
Ainda assim, temos duas figuras importantes no campo familiar de Ryan: o pai ausente e o “avôdrasto”.
Apesar de o pai aparecer apenas indiretamente por meio de uma carta de desculpas, ele estava lá mostrando sua personalidade. Alegou querer se reconectar com Ryan, já que ele era sua “família de verdade” (do inglês, “proper family”).
Isso revela bastante da personagem que o pai representa, já que mostra um certo desprezo por Graham, que não é parente de sangue dos dois. Ryan discorda do termo “de verdade” ao que o pai se refere, já que esse pai tem se mostrado ausente e inconfiável por muitos anos.
Agora sabemos que, indiretamente, Ryan tem dificuldades em aceitar o novo marido da avó como família talvez por ter recebido essa mesma impressão do pai, que também não aceitou Graham como família “de verdade”.
Começa em “Arachnids in the UK” o conflito interno do companion adolescente em confrontar essas duas contradições: o sentimento de que Graham não é família com a constatação de que Graham se comporta como família de verdade.
A família de Graham
Graham O’Brien (Bradley Walsh) ainda sofre com o luto por Grace. Não sabemos ainda da família biológica dele, exceto que talvez morem no condado de Essex, onde Graham estudou na infância. Ele aceitou Ryan como seu neto “de verdade” e age com paciência e amor até que o jovem também o reconheça como avô.
No entanto, o luto pela esposa vem junto ao sentimento de culpa que ele carrega, por ela ter morrido antes dele. Lembremos que Grace era a enfermeira que ajudou o motorista de ônibus Graham a superar um câncer anos atrás.
Essa culpa se intensifica à medida que Graham fica sozinho ou em silêncio. Em “The Ghost Monument”, Graham menciona que falar é uma forma que ele encontrou para não sofrer com o luto.
Porém, em “Arachnids in the UK”, temos Graham se entregando ao luto sozinho e em silêncio. Talvez fugir desse sentimento tenha sido uma alternativa no início, mas enfrentá-lo era necessário para ele.
Em casa, o “fantasma” de Grace pode ser interpretado pela audiência como bem preferir: o espírito dela se comunicando com o marido ou apenas a mente de Graham trazendo à tona as memórias da esposa.
Inclusive, ainda neste review, abordo a forma cinematográfica como estas cenas de Grace foram narradas – mais adiante você já encontra…
É mais provável que seja a segunda opção porque, como ele mesmo já havia sinalizado, o viúvo gosta de “imaginar” o que Grace diria se estivesse ali.
Dessa forma, veio justamente dessa “imaginação” a resposta (ou conselho) de que Graham precisava: era hora de seguir em frente e não mais viver de passado.
Assim, o motorista aposentado dá o passo decisivo em direção à Doutora e aceita um novo destino: qualquer lugar no tempo e espaço, exceto a casa da falecida esposa.
A segunda ameaça puramente “natural”
Na era moderna, apenas um episódio até então teve uma trama puramente terráquea.
Foi em “In the Forest of the Night“, na 8ª temporada, que a ameaça era apenas a natureza selvagem da Terra reagindo à iminente explosão solar que mataria a vida no planeta.
Inclusive, este episódio foi brevemente referenciado na estreia da 11ª temporada, em “The Woman Who Fell To Earth“, quando um recorte de jornal noticiava a misteriosa erupção solar:
Agora, temos novamente uma ameaça terrestre: as aranhas que não param de crescer. Vamos revisar?
Recapitulando “Arachnids in the UK”:
Um laboratório desenvolveu experimentos genéticos com aranhas, estimuladas por uma enzina a viverem muito mais tempo que o normal. Um fato científico defende que as aranhas (assim como as orelhas humanas) continuam crescendo indefinidamente enquanto estiverem vivas. Portanto, em teoria, as aranhas poderiam crescer “para sempre”.
No entanto, após os estudos, as cobaias aracnídeas eram sacrificadas e “devidamente” descartadas por uma empresa de lixo especializada em dejetos orgânicos laboratoriais. Por coincidência, essa empresa também trabalhava para o corrupto empresário Jack Robertson (Chris Noth) e descartava o lixo clínico tóxico em uma antiga mina de carvão na Zona Sul de Sheffield.
Infelizmente, acima dessa mina, Robertson ergueu um luxuoso hotel. Enquanto isso, uma aranha do laboratório, que foi considerada morta e descartada lá, na verdade estava bem vivinha. Ela conseguiu sobreviver em meio ao lixo tóxico, crescer gigantemente e ainda procriar centenas de aranhinhas igualmente gigantinhas.
Resultado: o luxuoso hotel se tornou o “ninho” desses bichinhos. Eles ficaram confusos, capturando humanos como se fossem insetos, e ainda confundiram toda a cadeia aracnídea de Sheffield, fazendo todas as outras aranhas se comportarem estranhamente.
Robertson percebeu a ameaça e tentou coagir uma funcionária, Frankie Ellish (Jaleh Alp), esposa da sobrinha, a resolver o problema. Porém, ela acabou sendo vitimada pelas aranhas. Então aparece a Doutora e seus amigos, prendem os filhotes em um cofre até a morte. A mãe começa a sufocar sozinha, mas Robertson dá um tiro nela, em um ato de crueldade disfarçado de misericórdia.
O humano desumano
Por outro lado, temos também o asqueroso (Silvio Santos, Ed Sheeran) Jack Robertson. Este “ser humano” desumano era a representação político-econômica dos dias atuais, identificada pelos discursos pró-armamentista e capitalista ao extremo.
A Doutora é contra armas e contra colocar os objetivos financeiros acima do valor da vida das pessoas. Por isso, Robertson acabou se tornando indiretamente um vilão neste episódio. É o tipo de pessoa que “não merecia ter sido salva” ao fim de “Arachnids in the UK”.
Assim, algo semelhante aconteceu ao empresário Rickston Slade (Gray O’Brien), no especial de Natal 2007, “Voyage of the Damned“, por sobreviver.
Autoritário e injusto, Robertson ainda teve um momento “machista” (ou algo muito próximo disso). Foi quando Yasmin e Najia conversavam sobre a relação de Yaz com a Doutora. Em uma fala, ficou subentendido que Yaz, em algum momento, pode já ter tido sentimentos por outra garota.
Porém, ela não queria falar disso na presença do empresário, e ele respondeu de uma forma bem nojentinha:
Além disso, este empresário norte-americano também foi uma sátira ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Eles tinham muito em comum, inclusive o desejo de ser presidente dos EUA. Aparentemente, Robertson perdeu a chance para Trump em 2016, e até hoje não suporta sequer ouvir o nome dele.
Espero que a comunidade whovian brasileira tenha entendido a mensagem… No Brasil, a melhor adaptação para o português não seria Silvio Santos… não, não… ele não.
Segunda ameaça que começou em laboratório
Quem acompanhou a 10ª temporada vai lembrar que uma outra grande catástrofe global começou também em um laboratório.
Foi no episódio “The Pyramid at the End of the World” que uma ameaça bacteriana saiu de controle. O 12º Doutor precisou incendiar tudo antes que fugisse do laboratório, mas não teria conseguido sem o sacrifício de Bill.
Curiosamente, neste episódio de 2017, também há uma rápida referência negativa ao presidente Trump.
Ao longo da 10ª temporada, várias vezes tivemos dicas de que ameaças de destruição global começariam em breve na Terra. Fato que fez os humanos abandonarem o planeta no episódio “Smile” e que convenceu Bill a negociar com os Monges.
Agora, na 11ª temporada tivemos essa leve “continuidade” em “Arachnids in the UK”. A espécie humana pode, a qualquer momento, desencadear novas catástrofes por conta própria, sem nenhuma interferência alienígena direta.
Continuidade e progressão
Temos em “Arachnids in the UK” algumas continuidades, não só da temporada, como também da macro-história de Doctor Who.
Em relação à 11ª temporada, temos a questão do deslocamento temporal. Apenas 30 minuto se passaram desde “The Woman Who Fell To Earth” ali. Isso significa que os eventos de “The Ghost Monument” acontecem simultaneamente aos do episódio “Arachnids in the UK”. A diferença é que eles acontecem a milhõe de anos-luz de distância.
Outro fato importante é que a casa de Grace e Graham já estava sob ataque de uma aranha gigante. Quando Graham volta para casa (aproximadamente meia hora depois da saída), encontra anormais teias de aranha e uma carcaça gigante.
Isso significa que, se eles não tivessem ido para o espaço com a Doutora, provavelmente teriam sido vítimas daquela mutante.
A universidade em que a doutora Jade McIntyre (Tanya Fear) trabalha pesquisando sobre aranhas já apareceu em Doctor Who. Trata-se da Universidade Sheffield Hallam (SHU), que existe na vida real. No ano 2000, a Big Finish lançou o audiodrama “The Marian Conspiracy”. Nessa aventura, a professora de história da SHU, Evelyn Smythe (Maggie Stables) tornou-se companion do 6º Doutor. Ela viveu com ele várias aventuras, falecendo já velhinha muitos anos depois, na presença do 7º Doutor.
Ao final de “Arachnids in the UK”, temos a cena dos companions decidindo viver a bordo da TARDIS com a Doutora. A Doutora faz eles primeiramente terem certeza daquela escolha, pontuando os riscos e tudo do que estão abrindo mão. É a primeira “aquisição” oficial de companions na Era Moderna de Doctor Who em que eles é que se oferecem.
Evolução do 1º à 13ª
Até então, Rose, Martha, Donna, Amy, Clara e Bill foram deliberadamente convidadas para viajarem com o Doutor. Em vários casos, elas foram bem persuadidas com certo esforço. Rose e Martha, por exemplo, precisaram de uma demonstração do poder da TARDIS para aceitarem o convite repetido do Doutor. Donna, após a primeira aventura, recusou viajar com ele. Clara, a princípio, só aceitou viajar na TARDIS sob algumas condições.
Por causa disso, vemos uma evolução grandiosa na personalidade da Doutora em relação às encarnações passadas – em especial, à primeira. O primeiro Doutor (o original, pode-se dizer) também teve três companions, mas ele os raptou à força sem hesitar. Ian e Barbara foram roubados de 1963, e Susan também! A neta do Doutor já havia dito que preferia ficar naquele ano ao invés de ir embora com o avô. O “rabugento” Time Lord demorou muito tempo até concordar em devolver Ian e Barbara para seus devidos tempos.
De lá para cá, as futuras regenerações do Doutor foram mais brandas com seus companions, no quesito “aquisição”. A grande maioria deles o acompanhou após um convite, ainda que indireto. Geralmente, as circunstâncias é que convidaram e uniram os “times TARDIS” ao longo de milhares de anos. Por exemplo, Dodo, Polly e Ben acabaram viajando na TARDIS por acidente. Ainda assim, quase sempre havia esse momento de “quer viajar comigo?”
Em “Arachnids in the UK”, pela primeira vez o padrão foi quebrado, e isso revela uma nova maturidade para a Doutora. Por outro lado, é muito visível a ansiedade dela por companhia. A forma como ela se empolga após a confirmação de Yaz, Ryan e Graham mostra isso claramente.
Por isso, “ai” de quem ousar tirar essas amizades dela… E “ai” da Doutora se algo ou alguém conseguir isso…
Relação (e sexualidade) entre os companions
De cara, vemos que há uma relação de amizade e respeito entre todos os três companions. Exceto, claro, pela relação ainda fria entre Ryan e Graham. Porém, quando o assunto não é a relação familiar entre os dois, há uma forte parceria entre os dois. Já entre Ryan e Yaz, a proximidade da idade fez surgir teorias desde o primeiro episódio sobre um possível crush.
Até então, víamos uma amizade e até uma cumplicidade crescendo entre os dois, bem lentamente. Em “Rosa”, eles puderam compartilhar juntos a tristeza e adrenalina de terem que fugir de racistas no século passado. Porém, em “Arachnids in the UK”, vemos eles sendo diretamente confrontados com essa possibilidade de algum sentimento mais especial.
Já à porta da TARDIS, no início, existe essa brincadeirinha entre eles, com Ryan meio que se fazendo de difícil. Em seguida, temos a irmã de Yaz, Sonya, perguntando diretamente ao rapaz se eles seriam apenas “amigos”. De imediato, Ryan afirma que só existe amizade, e de uma forma até ingênua.
Em outra cena, mais à frente, é Najia, mãe de Yaz, quem reforça a pergunta. Dessa vez, Yaz responde em uníssono com Ryan que não há nada acontecendo entre eles. Porém, qual a intenção dessas cenas? Seria realmente a de deixar claro para a audiência que não vai rolar romance entre os dois companions? Será que é uma falsa pista, para desviar a tensão da audiência para, mais para frente, realmente consolidar um romance?
Yasmin: hétero, bi ou gay?
É nesse contexto que também surge outra possibilidade: a sexualidade de Yasmin. A indiscreta Najia questiona a Yaz qual a natureza da relação dela com a Doutora. Nisso, surge a pergunta se elas estavam “saindo” uma com a outra. Apesar de elas refutarem essa sugestão, Najia deixa subentendido que talvez Yaz já tivesse se encantado por alguma garota antes.
Assim, a diversidade de sexualidade neste episódio foi tratada de forma natural já na primeira cena de Robertson. Frankie, a funcionária dele, era homossexual, esposa da sobrinha do empresário. Por mais machista que parecesse, ele ainda teve a astúcia de chamar Frankie de “família”, mesmo não se lembrando como. Essa característica de Frankie, a sexualidade, não teve função na história, já que ela foi apenas mais uma vítima.
Porém, em termos de narrativa, isso pode ter sido uma tentativa de “preparar o terreno” para a ideia que viria. Talvez tenha sido por causa de Frankie que a audiência pode aceitar um pouco mais a possibilidade de que o showrunner Chris Chibnall poderia fazer de Yaz uma companion de sexualidade não-tradicional (homossexual ou bissexual, por exemplo).
Narrativa cinematográfica
Agora, aproveitado o gancho sobre a utilidade da sexualidade de Frankie na história, vamos falar sobre outras narrativas de filmagem.
O desfoque e nitidez de Grace
Com o retorno de Grace, temos também um charme cinematográfico. Assim, a primeira aparição dela, na casa, ao fundo, é desfocada. Mesmo nos momentos em que Graham olha diretamente para ela em cena ou mesmo quando ela fala, não há nitidez. De início, pensei que pudesse ser uma atriz qualquer fazendo figuração naquele instante.
Já ao final de “Arachnids in the UK”, vemos finalmente a original atriz Sharon reaparecendo para Graham pelo espelho com toda nitidez possível. Porém, ela não fala nada, apenas sorri… e desaparece.
Esses dois momentos são bem distintos e possuem uma poesia bem bacana. Na primeira cena, Graham estava confuso, sentindo o luto pela esposa. Por isso, ele age de uma forma melancólica e triste, que Grace não aprovaria. Ela (ou a memória imaginativa de Graham) argumenta com ele que esse comportamento não ajudaria. Nessa cena, a imagem de Grace está desfocada, como uma representação desse desajuste emocional do viúvo.
Após a aventura com as aranhas, Graham retorna à casa sozinho. Embora triste, ele está diferente: na verdade, ele voltou lá apenas para se despedir, e não para lamentar. Assim, lhe aparece a imagem nítida de Grace, sorrindo.
Esteticamente, esse foco representa Graham se reencontrando, ou seja, tomando a decisão correta. Apesar de só conhecermos essa decisão quando ele já estiver na TARDIS, foi ali naquela sala que ele se decidiu.
Falsa perspectiva das aranhas
Bom, essa é mais fácil de perceber. Logo nas primeiras cenas, vemos o movimento de câmera se aproximar do hotel pea grama do lado de fora. Movimentos bruscos ao som do vento mexendo no gramado – ou seriam das patinhas?
Depois, a cena desliza pelo chão do hall de entrada do hotel. Depois por um corredor com problemas de iluminação. Outro corredor bem carpeteado. Depois pela cozinha. Então, finalmente pelo chão da grande sala onde Robertson e Frankie estão conversando. Todavia, sempre pela perspectiva do chão.
No entanto, quando as personagens começam a conversar, a câmera para e a narrativa segue normalmente. Vemos que ali não estava nenhuma aranha especificamente. Porém, o episódio já abre com essa falsa perspectiva aracnídea. Percorremos todas as principais locações do hotel onde haveriam cenas logo mais, exterior e interiores, mas não vemos aranhas.
Câmera x Diálogos
Existe uma prerrogativa em Cinema que, por base, quanto mais exigentes forem os diálogos, mais simples devem ser as tomadas da cena, ou seja, as filmagens. Da mesma forma, quando as falas forem mais simples ou quando não existirem, então a direção da filmagem pode ser mais ousada. Quando há falas simples e cenas simples, o risco do tédio é maior. Igualmente, quando o diálogo é cheio de ideias complexas e as cenas são turbulentas ou informativas demais, o risco de a audiência perder-se é maior também.
Logicamente, isso não é uma regra geral, apenas parte de uma teoria técnica. No entanto, o diálogo entre Robertson e Frankie é tão truncado e misterioso que exige mais da atenção da audiência. Nesse caso, aquela prerrogativa foi muito bem empregada em “Arachnids in the UK”, ao encerrar a perspectiva “da aranha” justo quando as personagens iniciam os diálogos.
Assim, perceba como a cena seguinte da TARDIS no novo (E MARAVILHOSO) vórtex temporal é extremamente turbulenta, de forma repentina. Ali não há diálogos porque a atenção da audiência precisa estar focada no novo design do vórtex. Assim que voltamos para o interior da TARDIS, perceba também como é difícil acompanhar os diálogos ao mesmo tempo em que a câmera treme loucamente. É difícil, mas é intencional: para que nós tenhamos a sensação de estar a bordo na loucura de uma TARDIS desequilibrada.
Curiosidades de produção
Você lembra da cena em que a Doutora risca o mapa de Sheffield no laboratório?
Ela aponta para um lugar ao centro onde teoricamente está o hotel de Robertson. O curioso é que aquele local realmente existe na cidade (no mundo real).
O sítio fica entre os bairros Owlerton e Crabtree. No entanto, não existe nenhum hotel lá, mas sim uma mina de carvão abandonada. Ela possui aproximadamente 850 metros de largura e quase 2 quilômetros de perímetro.
E mais: a cidade sofre com o problema de depósito de lixo ilegal naquele campo.
Por falar no laboratório, ele fica na SHU (como mencionei anteriormente), a aproximadamente 3 quilômetros ao sul dessa mina de carvão.
O SHU, por sua vez, fica a apenas 550 metros do condomínio de Yaz, o Park Hill Flats. Fica bem ao lado do trilho do trem, que também aparece nessa cena.
Inclusive, se você gosta de fuçar o Google Maps como eu, você pode navegar pelo Street View até a mesma praça onde a TARDIS pousou.
Confira:
Quando Yaz sai de carro pra buscar a mãe no hotel, ela menciona que é longe, mas vai mesmo assim. E como eu sou desocupado, resolvi traçar a rota de carro que ela percorreu até lá:
Voltando um pouco, o Park Hill fica tão perto do SHU que agora entendemos porque a Doutora foi até lá a pé com Jade e os companions.
Se você também gosta de “framear” o episódio, vai ver que essa região do Park Hills e do SHU chegam a aparecer bem ao inferior do enquadramento da câmera, quando o mapa do laboratório aparece.
No entanto, outra curiosidade é que a morte da funcionária Anna (vizinha de Yaz) não foi sinalizado pela Doutora no mapa. Ali, foram pontuadas as ações incomuns de aranhas já registradas, mas a morte de Anna não, mesmo sendo a Doutora quem faz as conexões.
Estranho que ela deixaria uma morte importante assim de fora, não? Na verdade, foi apenas um deslize da equipe de produção de arte.
Ainda assim, mesmo à distância, é uma delícia tatear a cidade onde o episódio foi filmado.
E não acaba aqui…
O episódio seguinte, “The Tsuranga Conundrum”, traz mais uma série de revelações sobre as personagens e relações dos companions, além de ampliar a mitologia do whoniverso. Acompanhe o Universo Who esta semana para ler a próxima review, que será escrita pelo colega Vinícius Viana.
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Allons-y!
Texto: Djonatha Geremias (Universo Who)
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