REVIEW 12×03 – Orphan 55

Orphan 55 é, até agora, “a grande decepção” das expectativas para a 12ª temporada de Doctor Who, e vamos saber o porquê neste review do filler episódio 12×03.

A seguir… Spoilers! Continue por sua conta em risco, docinho.

Neste review, vamos falar de:

  • Spa da morte;
  • Vírus Hopper;
  • Dregs e o planeta órfão;
  • Subtramas dos convidados;
  • Desenvolvimento dos companions;
  • A doutrinação final;

Assim como o episódio não teve as cenas antes da animação de abertura, vamos também direto ao review. Não precisa economizar oxigênio, porque este episódio não foi de perder o fôlego, mas allons-y mesmo assim porque é Doctor Who, e nós o amamos na saúde e na doença!

O spa intranquilo

Algo me diz que todo spa no universo de Doctor Who é uma ratoeira espacial para matar os visitantes. Foi assim nos episódios “Midnight”, “The Girl Who Waited” e até “Smile” (embora, nesse último, não era um spa propriamente dito).

Porém, já sabemos que, quando algum lugar prometer descanso, é morte na certa! Com o spa Tranquility não é diferente. A arquitetura branca, o céu azul, o mar calmo, tudo isso nos remete à paz. Porém, não levou nem 5 minutos para que a Doutora (Jodie Whittaker) farejasse problemas… e graves!

O vírus Hopper

O primeiro sintoma de que Tranquility não seria tão tranquila é o vírus Hopper (do ingles, “saltador” ou “pulador”), isso porque ele age “saltando” ou “pulando” de um hospedeiro para outro. Uma brecha física na segurança do spa permite a entrada do vírus no início da aventura, que logo contamina a máquina de comida e então o companion Ryan Synclair (Tosin Cole), “saltando” por meio de um pulso elétrico.

A primeira característica do vírus é que ele é capaz de infectar qualquer coisa, máquina ou orgânica. Um vírus que “se adapta” para conseguir se espalhar é também a primeira propriedade dos seres nativos daquele misterioso planeta – característica que também se aplica aos Dregs humanóides.

Outra função do vírus na trama é servir de incidente incitante para o encontro de Ryan com Trixabelle “Bella” (Gia Ré). Porém, essa utilização não era vital, posto que o casal poderia ter se esbarrado de qualquer outra forma e que o assunto Hopper não retorna diretamente entre eles ao longo do episódio.

No entanto, mais relevante ainda é que o ataque em Ryan leva a Doutora a investigar os distúrbios de segurança. A trilha para o problema não é difícil, e logo temos a Doutora descobrindo quase tudo sobre a ameaça e os problemas que rondam os bastidores de Tranquilidade.

Depois disso, só vamos ter o retorno do vírus nas cenas finais, como um conveniente recurso para solucionar um problema que, até então, não havia nenhuma conexão com a existência do vírus na trama. De repente, a falta do combustível “syrillium 4” é um empecilho que dura poucos segundos, pois, convenientemente, a Doutora “lembra” que o tal combustível pode ser formado a partir do ataque do vírus Hopper no combustível “syrillium 3”. Problema resolvido. Problema totalmente descartável da trama.

Isso especialmente porque havia muitos outros dramas e subtramas no episódio para serem resolvidos, mas desperdiçamos tempo de tela com algo banal e irrelevante. A fata do combustível nem ao menos foi o incidente incitante da revolta do menino Sylas (Lewin Lloyd), filho do mecânico Nevi (James Buckley), mas uma terceira coisa, que não tinha necessidade.

Àquela altura do episódo, ninguém mais se importava com o vírus Hopper, porque se tornou irrelevante demais diante das novas ameaças e revelações do episódio até aquele instante – que deveria ser o clímax emocional de “Orphan 55”.

Dregs, os netinhos dos humanos

Fora a aparência grotesca e monstruosa, os Dregs nada mais são do que a futura descendência da espécie humana, em uma Terra desolada pelo caos ambiental e pelas guerras. Vamos falar do planeta logo mais…

Corporeamente, os Dregs desenvolveram também um corpo bizarro, com as mandíbulas fortemente projetadas para frente, dentes mais poderosos, garras, uma pele menos definida, uma musculatura muito mais robusta e perderam (ou realocaram) seus órgãos genitais aparentes.

Essa nova espécie humanóide continua numerosa (provavelmente se reproduzindo de alguma forma), ainda vivendo em aglomerados sociais e também mantém um líder. O líder dos Dregs é aquele que a Doutora trancou no spa e que, depois disso, conseguiu invocar todos os outros Dregs para invadirem o local.

Em outras palavras, os Dregs são muito mais do que selvagens à procura de comida, eles também são seres muito racionais – e cruéis! Vale lembrar que o idoso Benni (Col Farrel) só foi mantido vivo por tanto tempo porque os Dregs estavam se divertindo com o sofrimento dele, em um ato de pura maldade…

Crítica ecológica

Dreg” vem do inglês “resíduo”, então esses “humanos do futuro” são meramente resíduos do que um dia já foi a nossa humanidade, ou seja, “human dregs” (resíduos humanos, literalmente).

Só a partir dessa concepção, já temos um fator ecológico na trama, pois sabemos que uma das grandes lutas pelo meio ambiente é a minimização dos resíduos (lixos). Em uma linha do tempo de uma sociedade que não cuidou do bioecossistema, é irônico que os humanos tenham se tranformado, por si só, eles mesmos em “resíduos”.

Respiração arbórea

Outro fator importantíssimo é a respiração dos Dregs. Ao contrário da nossa atual respiração, eles inspiram dióxido de carboso (CO²) para converter em oxigênio (O²). Já os humanos aproveitam o O² durante a respiração e dispensam CO² de volta ao meio ambiente.

É importante porque a respiração dos Dregs é uma referência direta à respiração das plantas e de uma infinidade de microorganismos espalhados pelo planeta que, juntos, são os responsáveis pela manutenção do oxigênio respirável para os humanos.

De novo ironicamente, os Dregs acabaram por ter que desenvolver o processo inverso de respiração para poderem sobreviver. Isso porque, em um mundo sem “natureza”, não há oxigênio. No entanto, a humanidade é conhecida por ser uma espécie altamente adaptável, ou seja, que muda seu corpo ao longo das gerações para sobreviver mesmo em condições inóspitas. Isso seria parte da teoria evolucionista (muito presente no folclore de Doctor Who), e que este episódio preferiu chamar de “mutação” ao invés de “evolução”.

A participação do líder na cena de diálogo com a Doutora mostra que, apesar da aparência bestial, os Dregs herdaram certa inteligência dos humanos. Mesmo ele não falando o idioma da Doutora (talvez tivéssemos aqui ainda uma interferência do Circuito de Tradução da TARDIS ou apenas resquício telepático da Doutora após entrar na mente do Dreg), o líder compreendeu a lógica da respiração que ela argumentou.

Vemos aqui novamente uma referência igualmente irônica em relação à respiração dos Dregs. Quando a Doutora argumenta que a sobrevivência de ambos (presa e predador, como ela mesmo o chama, “predadores ápices”) depende desse perfeito ecossistema respiratório, o líder racionalmente cede. A Doutora apela para o lado razoável da inteligência dele, afirmando que os humanos que o precederam não cuidaram desse equilíbrio respiratório, em alusão às florestas e microfaunas.

O Planeta Órfão 55

Após a quebra da ilusão do “oásis” Tranquility, vemos o desértico futuro da Terra (ou “um dos possíveis futuros”).

O planeta está devastado pelas mudanças climáticas e pelas guerras. O oxigênio se foi, a espécie humana fugiu para o espaço e a parte que não conseguiu fugir morreu ou mutacionou em Dregs. Fora isso, nada sabemos sobre em que época isso ocorre.

Em que época?

Por dedução de continuidade, sabemos que é um cenário muito após a fuga do Reino Unido na baleia espacial (episódio 5×02, “The Beast Below”) e da ocupação humana de uma das primeiras colônias especiais, a 20 anos-luz da Terra (episódio 10×02, “Smile”).

Ambas situações ocorreram devido a uma misteriosa devastação da Terra promovida por guerras e caos ambiental. Esse mesmo caos foi retomado também no arco dos Monges da 10ª temporada, em que essa espécie invasora fingia “prevenir” a espécie humana de devastar o próprio planeta com pestes e guerras.

No entanto, os eventos de “Orphan 55” acontecem obviamente antes dos eventos de “The End of the World” (episódio 1×02), quando o 9º Doutor (Christopher Eccleston) leva a companion Rose Tyler (Billie Piper) para presenciar a explosão final da Terra, consumida pela inevitável expansão do Sol. Nesse episódio, a Terra já era um planeta “órfão”, abandonado.

Inclusive, a “última humana pura”, Lady Cassandra O’Brien (Zoë Wanamaker) menciona que há outros grupos de humanos fora da Terra, porém seriam “misturados”. Segundo Cassandra, esses grupos (que ela chama de vira-latas ou mestiços) se autodenominam “Novos humanos”, “Proto-humanos”, “Digi-humanos” e até “Human-ish” (ou “Humanóides” na versão dublada).

Linha temporal alternativa

No entanto, a Doutora deixa claro para os companions que essa Terra chamada “planeta órfão 55” é apenas um dos possíveis futuros da nossa morada original. O futuro está em constante fluxo, e esta versão da Terra aparentemente não é um ponto fixo e pode ser mudado.

Não sabemos a natureza dessa fala, ou seja, se a Doutora falou isso porque realmente seria verdade (e essa Terra vem a ser apenas um “universo paralelo”, só uma realidade em potencial) ou se (regra número 1) a Doutora mentiu apenas para aliviar a tensão que os amigos estavam sentindo por descobrir o futuro da Terra.

Sabemos que essa encarnação da Doutora insiste bastante no tema “esperança” e que, por mais que as coisas estejam se encaminhando para um destino trágico, sempre podemos fazer algo a respeito. Infelizmente, o mesmo programa Doctor Who nos ensinou também que, eventualmente, finais tristes acontecem e não podem ser evitados nem revertidos.

Porém, onde há vida, lágrimas e riscos… há esperança.

Em termos de continuidade, não encontrei na história de Doctor Who motivos que invalidassem esse “possível futuro” como sendo “o real futuro” da Terra na trama (se você encontrou, por favor, escreva nos comentários). Pelo contrário, ele se encaixa muito bem.

Subtramas subdesenvolvidas

Ai, que triste. Tantas personagens e subplots em tão pouco aprofundamento dramático. Fim.

Hyph3n

Logo de cara, somos apresentados à “Hyph3n with a 3” (literalmente, “hífen” com um 3 no lugar do “e”). Dotada de uma cauda maravilhosa, Hyph3n (Amy Booth-Steel) é a anfitriã de Tranquility, sorridente e fofinha no melhor estilo “furry”.

Desconhecemos a espécie e a história pessoal de Hyph3n, mas a personalidade “carismatiquinha” dela suscitou essa curiosidade em muitos de nós. Hyph3n é gentil, mas temerosa.

Infelizmente, foi apenas uma personagem criada para morrer, em uma tentativa de parecer ser o mais legal possível para que talvez a audiência ficasse com dó no momento da morte dela. Pessoalmente, senti essa dó, mas não com a intensidade que poderia ser, já que senti a cena final dela bem mal produzida.

Uma relação que fiz foi o nome dela ser escrito de uma forma “internetês”, ou seja, com nossa típica linguagem de internet, substituindo certas letras por números similares, sem alterar a pronúncia.

Duas coisas remetem:

  • a espécie de Hyph3n dominava um idioma cuja escrita era similar à escrita humana (pois manteve o 3 similar a um E sem alterar pronúncia);

Adendinho: Lembrando que o Circuito de Tradução da TARDIS traduz apenas o sentido das palavras e, por isso, não costuma acertar alguns dizeres. Por exemplo, “TARDIS” é uma sigla que só funciona em inglês (pois vem de “Time And Relative Dimensions In Space“), mas aparentemente é um nome usado até mesmo em Gallifrey pelos antigos Senhores do Tempo, que não falavam inglês. Outro exemplo é o nome Melody Pond na escrita do povo da Floresta Gamma ser traduzido pela TARDIS como River Song (literalmente, “melodia do lago” para “canção do rio”, já que no idioma do povo da Floresta Gamma, “a única água na floresta é o rio”, ou seja, eles não tinham uma palavra para lago).

  • a cultura da internet era forte naquela época, já que a colônia de humanos em “Smile” também se comunicava por emojis, o “idioma sobrevivente”. Isso também indica que tanto Hyph3n quanto os Emojibots de “Smile” compartilharam do mesmo linguajar cultural em algum momento pós-evasão da Terra.

Nevi e Sylas, pai e filho

Em termos de espécie, não fica claro se Nevi e o filho Sylas são humanos de alguma forma. O que sabemos é que não são humanos como os da nossa época conhecida, já que possuem um DNA um pouquinho diferente do nosso, responsável pela coloração verde dos cabelos passadas hereditariamente.

Ambos mecânicos, eles tiveram uma participação simplória neste episódio, embora tenham sido usados para promover alguns quebra-galhos de roteiro. Na maior parte dos acontecimentos, eles assumem a função de figurantes.

Um drama de desvalorização de pai para com filho foi criado entre eles, mas com uma resolução repentina sem evolução dramática, nem mesmo moral.

O pai constantemente ignora o talento do filho até se ver em uma situação técnica sem que o filhote estivesse por perto para resolver o problema. De repente, o garoto “surge” do nada, e ambos familiaes milagrosamente “resolvem” seu arco dramático pessoal, sem entregar qualquer emoção para a audiência…

… exceto por tédio ou frustração ou só broxante mesmo.

Kane e Bella, mãe e filha

Mais uma relação parental problemática em “Orphan 55”. Talvez uma referência aos filhos se sentirem “órfãos” daqueles pai e mãe de alguma forma.

Kane (Laura Fraser) abandonou a filha criança há muito tempo para se dedicar a um investimento patrimonial arriscado, na esperança de erguer um império na antiga Terra e deixar de legado para a filha Trixabelle. No entanto, “Bella” se sentia abandonada e queria destruir tudo para mostrar à mãe que, no fundo, ela preferia ter tido a presença de Kane do que qualquer negócio milionário.

O problema é que Bella tenta arruinar os planos da mãe de forma literal, explodindo o spa Tranquility, em um tipo de infiltração terrorista. Não fica claro se é uma coincidência ou não, mas talvez a própria invasão de Bella possa ter causado as brechas no sistema de segurança para que os nativos do planeta pudesem invadir o spa.

Isso explicaria o porquê de Bella, no início de sua aparição, também estar se recuperando de um possível ataque do vírus Hopper.

O papel de Bella é, de forma rasa, transformado em um mistério nada instigante ao longo do episódio, que focou mais na relação “flertuosa” com Ryan. Ao longo de quase todo o episódio, Bella serve mais como incitação para vermos um novo lado do jovem companion.

Por isso, quando Bella se revela filha de Kane, deixa a mãe desarmada (tanto literal quanto figurativamente), a revelação não soa bem. Não houve uma tensão crescente na identidade da personagem, e sua motivação revelada sem sincronia com os acontecimetos da cena só deixam o episódio mais carregado de informações estranhas à trama que vinha se desenvolvendo.

Trata-se de uma reviravolta que mais revira do que entrega algo que acrescente aos arcos dramáticos de forma consistente. A resolução sofre do mesmo problema de “milagrismo” que o arco de Nevi e Sylas: uma reaparição repentina que, por si só, já resolve o drama, sem que houvesse desenvolvimento emocional ou moral.

Ressalto aqui a excelente atuação da atriz Laura Fraser. Muito embora sua personagem tenha sido pobremente desenvolvida, a presença de Laura como intérprete foi notável.

Gostaria de tê-la visto com uma personagem com mais profundidade, quem sabe até sendo uma Doutora um dia.

Benni e Vilma, o casamento que nunca foi

Vítimas de uma série de memes na internet, o casal de namorados idosos dividiram opiniões. Benni e Vilma (Julia Foster) deram um tom diferenciado para a trama, pois eram os únicos que demonstravam uma paixão motivadora ausente nas demais personagens.

Enquanto todos só queriam fugir e sobreviver, o amor de Vilma por Benni motivava a história à coragem e ao enfrentamento do perigo.

Muitos criticaram Vilma por ser aquela que colocou todos em perigo por insitir muito teimosamente em salvar uma pessoa dada, pelo grupo, como inevitavelmente “perdida para sempre”. No entanto, defendo Vilma por ter sido uma das poucas personalidades realmente consistentes.

Vilma não estava influenciada pelo magnetismo da Doutora, nem pelas viagens na TARDIS nem nada de muito “sobrenatural” ao que ela já conhecia. Para ela, os Dregs eram apenas selvagens que raptaram seu namorado. Após passar décadas ao lado dele, com tanto amor que nem cogitou a necessidade de um casamento formalizado, Vilma não tinha outra motivação naquela situação a não ser fazer de tudo para salvar o amor da vida dela.

A velhinha foi um exemplo de esperança e perseverança até o fim, até mesmo para a Doutora. Mesmo após saber da morte de Benni, ela ainda continuou em frente, até dedicir por se sacrificar para ganhar tempo para o grupo, já que ela não tinha condições de continuar correndo como era necessário. Foi uma decisão tomada muito rapidamente, em um ato de coragem, de integridade e de amor, expressado pelo diálogo final dela com Yasmin “Yaz” Khan (Mandip Gill).

Nesse diálogo, não foram as palavras que expressaram a essência de Vilma, mas a expressão corporal e facial. Era expressão de bravura, com força e com bondade.

Já Benni, coitado, tão pouco tempo de tela, mas vimos nele certa graça. Sua tentativa frustrada de pedir Vilma em casamento na primeira cena só não foi mais cômica que as tiradas de Graham (Bradley Walsh) em várias oportunidades.

Benni não foi morto pelos Dregs, como tudo indicava, mas sim por Kane, com um tiro de misericórdia. Não vimos em que condições sub-humanas estava sobrevivendo Benni em posse dos Dregs, mas tudo indica que era algo terrivelmente cruel. Ainda sob tanto sofrimento, o velhinho manteve-se firme em sua essência e conseguiu, com seu jeito cômico particular, pedir a namorada em casamento, mesmo sabendo que não sobreviveria.

Em resumo, Benni e Vilma, os melhores personagens do episódio.

Vorm, o soldado

Pois agora…

Escrito para morrer, sem arco nenhum, o chefe de segurança Vorm (Will Austin) não teve relevância, exceto para mostrar que Kane não estava sozinha nos bastidores do spa lidando com os perigos. Certamente, apenas Hyph3n não conseguiria ajudar Kane a lidar com tantos problemas, pois a função dela era transmitir “tranquilidade”.

Vorm foi o fiel “soldado” da “general” Kane, e eu adoraria ter visto um possível indício de intimidade entre eles, mas a relação ficou focada no profissionalismo. Na verdade, isso bate com a personalidade objetiva de Kane e seu comprometimento com a família, mas… uma “tretinha” a mais não faria mal, já que o episódio foi recheado de redundâncias e floreios desnecessários. Enfim, ok, esquece o romance.

Companions com papéis em definição

Yaz, Graham e Ryan tiveram, cada qual, seus momentos neste episódio, nos revelando um pouco mais dos seus desenvolvimentos individuais.

Ryan reveleu seu lado paquerador e como se relaciona nesse âmbito sentimental. E isso já é a segunda vez só nesta temporada. Em Spyfall, tivemos ele insinuando interesse na irmã caçula de Yaz.

Por falar nela, Yasmin tem demonstrado algum ciúmes ou implicância com Ryan nesse aspecto. Dentro do furgão, Yaz pergunta com bastante sarcasmo a Ryan sobre como estava indo a conversa dele com Bella, com um tom diferente de como estamos acostumados a receber desses dois companions. Tudo indica que, em algum momento, poderemos ter uma Yaz se declarando apaixonada por Ryan (talvez até desde os tempos de escola). Printe isso.

Yaz também continua revelando sua perspicácia lógica. Em diversas cenas, ela percebeu fatos quase tão rapidamente quanto a Doutora, usando a lógica. Isso mostra um desenvolvimento para a personagem, se lembrarmos do primeiro diálogo dela com a Doutora na 11ª temporada. Yaz era uma policial que fazia perguntas irrelevantes e parecia perdida para acompanhar o óbvio diante do que observava. Agora, Yaz está com a mente bastante afiada nesse aspecto. Talvez venha a ser “o cérebro” o grupo de companions.

Já Graham tem se afirmado nesta temporada como a figura que traz o alívio cômico para as cenas. Na temporada anterior, vimos um Graham em luto, quase sempre com as mãos no bolso, demonstrando um pouco de cuidado paternal, mas vez ou outra ele soltava uma fala engraçada. Agora, na 12ª temporada, Graham é o protagonista das cenas mais engraçadas até então.

Esse é um padrão que se repete eventualmente em Doctor Who. Na era moderna, tínhamos Capitão Jack (John Barrowman) como companion alívio cômico da 1ª temporada, Donna Noble (Catherine Tate) na 4ª temporada, Rory Williams (Arthur Darvill) na 5ª temporada e até Nardole (Matt Lucas) na 10ª temporada, dentre outros.

E a Doutora?

Quanto à Doutora, sua evolução em “Orphan 55” é difusa. Vemos um item de continuidade no início do episódio, quando os companions falam do estranho “humor” dela, em alusão a como ela ficou devastada no final de “Spyfall (Parte 2)”. Entretanto, não é algo que mostra que a Doutora cresceu neste episódio.

Basicamente, ela assumiu o papel de “explicadora” da história, como se fosse uma pessoa inconveniente do nosso lado, assistindo o episódio com a gente e explicando tudo o que acontecia na tela. Passou do ponto. Não sobrou muita coisa do episódio para a audiência deduzir, revelar, brincar de suspeitar ou supor.

A Doutora parecia a “função SAP” do episódio ligada, e isso foi muito irritante para uma audiência acostumada a ser desafiada para compreender o que acontecia. Isso veio lá da era do showrunner Steven Moffat, que propositalmente ou não deixava várias coisas no ar para a audiência resolver. De repente, na era Chris Chibnall, esse gostinho nos foi tirado sem que uma nova dinâmica instigante fosse aplicada no lugar daquilo.

E justamente isso nos leva à terrível, violentamente broxante, ofensiva e tediosa cena final…

A doutrinação da cena final

No final, temos a turma de volta à TARDIS em um ímpeto de alívio após a fugirem do spa, mas, quase que simultaneamente, já sentimos um clima de tensão no ar.

A Doutora (para variar) já nos explica que se trata do quão impressionados os companions teriam ficado por saberem que o planeta onde estavam é o futuro desolado da Terra. Dãr…

E aí vem a broxidão do episódio. Inicialmente, a Doutora estraga a ideia daquela realidade, afirmando que é “só um possível futuro” e que “nada está definido ainda”. Isso contraria a 7ª temporada, quando o 11º Doutor revela para a companion Amy Pond (Karen Gillan), no episódio 7×05, “The Angels Take Manhattan”, que:

“saber o que vai acontecer no futuro imediatamente faz com que aquilo se torne um ponto fixo no tempo.”

No entanto, o roteirista de “Orphan 55”, Ed Hime, ou o showrunner Chibnall aparentemente fizeram vistas grossas ou “esqueceram” desses conceitos importantes que a série televisiva vai solidificando com o passar do tempo e que nós, audiência fanática, levamos a sério e interiorizamos sim como “lore canônico” de Doctor Who.

Isso foi comprovado no mesmo episódio, quando o paradoxo de saltos altos River Song (Alex Kingston) falhou em alterar um pequeno ponto fixo no tempo, ao quebrar o próprio pulso para escapar das garras de um Wheeping Angel. Fora outros ponto fixos que sofreram tentativas de alteração, tais como a morte da cientista Adelaide Brooke (Lindsay Duncan) no episódio especial “The Waters of Mars” e própria “morte” do 11º Doutor à beira do Lago Silêncio no fatídico 22 de abril de 2011, no episódio 6×01, “The Impossible Astronaut”.

Agora, a 13ª Doutora se contradiz, alegando que talvez a Terra nunca venha a se tornar devastada, que talvez os humanos mudem de comportamento e preservem o planeta, e que talvez o Reino Unido nunca precise fugir do planeta montado numa baleia espacial, e que talvez a colônia de humanos nunca faça um acordo com os Emojibots, e que talvez toda sua própria história pessoal seja reescrita e que talvez NADA QUE A GENTE ASSISTIU ATÉ AGORA DESDE 1963 REALMENTE ACONTEÇA.

CACETA, CHIMBAS!!!

E o discuro ecológico?

Indo além, Doctor Who nos entrega uma desnecessária aula didática sobre conscientização ecológica. Desnecessária por quê? Óbvio que ela é pertinente. Queimadas, desmatamento, mudanças climáticas, extinção de espécies, etc. Porém, isso tudo já estava no episódio, era desnecessário “mastigar” o tema nos instantes finais.

Isso foi ofensivo, em termos de narrativa, de roteiro, de TV, etc.

Não foi o primeiro episódio que nos mostrou a importância de preservar a natureza, já tivemos isso ao longo de “In The Forest of the Night”, “The End of the World”, “The Beast Below”, “Smile”, “The Pyramid at the End of the World”, “Kill the Moon”, “The Doctor, the Widow and the Wardrobe”, “The Hungry Earth”, “Cold Blood”, “The Poison Sky”, “The Doctor’s Daughter”, “Forest of the Dead”, “Planet of the Dead”, “Gridlock”, “42”, “Utopia” e tantos outros que nos fizeram sentir essa importância, mesmo quando nem mesmo a Terra estava em tema.

Esse é o pilar do cinema: nos fazer sentir a história e não nos contá-la, nos mostrar mais do que ter que explicar.

Portanto, o que sentimos (quase na totalidade do consenso) foi um final pobre, com uma última cena brega, de evocar “vergonha alheia” em qualquer espectador, diante daquele “ou…” seguido de um “grrraaaauuu” de um Dreg.

Agenda “da esquerda”?

Indo além, temos visto que Doctor Who intensificou alguns temas após a chegada da primeira Doutora mulher. Questões de igualdade de gênero, de ecologia, de combate à discriminação racial, dentre outros temas que sempre estiveram presentes em Doctor Who desde 1963, estão mais explícitas nas 11ª e 12ª temporadas. O que definitivamente não é errado, desde que não se prejudique a qualidade do drama em prol do discurso. Quando essa inversão acontece, temos uma clara tentativa de doutrinação, que nunca foi a estratégia narrativa do programa em relação a esses mesmos temas.

Doctor Who sempre foi, em termos gerais, feminista, inclusivo, tolerante, pacifista e tantas outras propriedades essenciais para um saudável contrato social de toda humanidade. Temas estes que ficaram popularizados politicamente como “agenda da esquerda”. Um termo genérico e muito usado de forma irresponsável e ignorante para rotular qualquer coisa que apresente questões referentes a direitos humanos. A produtora de Doctor Who é o canal britânico BBC, que defende essas bandeiras e, por isso, é rotulada “de esquerda”.

O que a gente não pode perder de foco é que há inúmeras linguagens e meios disponíveis (e cada qual com suas particularidades) para ensinar, comunicar e mostrar a importância desses temas para a população, especialmente as mais jovens, crianças e adolescentes, que são o principal público-alvo de Doctor Who no Reino Unido. Por isso, é normal vermos essas pautas presentes de forma ativa em vários programas de TV da BBC, inclusive no nosso sci-fi favorito.

No entanto, precisamos lembrar que o cinema (isso inclui as produções de séries, filmes, novelas, etc.) tem suas propriedades, suas bases narrativas que o definem por natureza. Quando se usa desse recurso, dessa arte, com uma linguagem explicita, se subverte a motivação maior do consumo dessa arte, que é a imersão na história, do ponto de vista emocional e lógico, mesmo quando numa distopia fantasiosa ou científico-fictícia.

Nesses casos, como foi o final de “Orphan 55”, temos a indesejada aulinha doutrinatória, que pode até causar o efeito contrário: a aversão da audiência àquela tentativa de educação, justamente porque percebemos que é intencional e, pior ainda, sem ativar o gatilho emocional o suficiente para que aquela cena realmente importe.

Mas tem muito mais por vir!

Estamos só no 3º episódio da 12ª temporada, e ainda teremos Cyberman, Daleks, Judoon, Mestre, possivelmente os Sea Devils e vários outros novos alienígenas para os próximos 7 episódios. Ah, e temos ainda Gallifrey e a Criança Atemporal.

Aproveita que chegou até aqui neste review e deixe seu comentário abaixo!

ALLONS-Y!

Texto: Djonatha Geremias (Universo Who)

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