[Cuidado, nossas reviews contêm spoilers]
“O que está acontecendo? O que está acontecendo? Eu não sei! Eu não sei!”
Depois de um fim de primeiro episódio com cara de clímax de fim de temporada, War of the Sontarans começa com todo mundo um pouco tonto (incluindo a gente), sem saber direito o que aconteceu depois que o Fluxo atingiu em cheio a Tardis e seus tripulantes.
E a primeira imagem que temos é uma visão/sonho da Doutora tentando alcançar as ruínas flutuantes de algo que parece uma casa antiga. Mas então descobrimos que eles não foram destruídos pelo tal Fluxo, e sim caíram na Terra, mais precisamente na cidade de Sebastopol, em 1855, num campo de batalha do que deveria ser a Guerra da Crimeia.
Deveria ser porque, enquanto a Guerra da Crimeia de verdade envolveu o Império Russo contra uma aliança formada por Reino Unido, França, Reino da Sardenha e Império Otomano, na realidade distorcida em que eles estão, o inimigo é uma legião de Sontarans. Isso porque os aliens, se aproveitando da confusão causada pelo Fluxo, dominam todo o território da Rússia e da China (o fato de os Sontarans estarem precisamente nesses países tem um cheirinho daquelas narrativas anticomunistas que enchiam o cinema norte-americano até o início dos anos 1990, né? Mas vamos deixar passar).
E um dos primeiros pontos que merecem destaque nesse episódio é exatamente sobre como esses velhos inimigos da Doutora são representados nesta temporada. Criada como uma raça de guerreiros impiedosos, a espécie apareceu pela primeira vez na série no arco The Time Warrior, de 1973, com o 3° Doutor. A partir de então, eles fizeram diversas participações tanto na TV quanto no universo expandido, quase sempre como os vilões a serem combatidos.
Mas para quem se acostumou a ver o cômico Strax, na era do 11º Doutor, como principal representante da espécie no imaginário whovian, o enredo de Chibnall vem para lembrar quem são os verdadeiros Sontarans. Os inimigos surgem inclusive com uma aparência mais suja e assustadora do que na maioria de suas últimas participações.
Se o exército alienígena é responsável por misturar a ficção à história, o roteiro também traz uma personagem real para a trama: Mary Seacole, uma empreendedora e viajante nascida na Jamaica e que mantinha um hotel para oficiais na Guerra da Crimeia. Ela ficou muito conhecida por sua generosidade ao cuidar dos feridos no confronto (para quem quiser mais dessa história, temos um artigo sobre ela), se tornando uma enfermeira de guerra.
Além de aproximar o enredo da história real, trazer Mary Seacole para o episódio repete o acerto do showrunner em Spyfall, no início da 12ª temporada, ao incluir a matemática Ada Lovelace e a espiã Noor Inayat Khan no roteiro. Mais que contribuir para contar os grandes feitos de mulheres do mundo real, trazer personalidades como essas para a série é uma forma de reforçar a importância de ter uma mulher como protagonista de uma das maiores séries de ficção científica do mundo.
Longe da Doutora, a trama de Doctor Who Flux fica cada vez mais complicada e desafiadora. Os acontecimentos no Templo de Átropos, ao mesmo tempo em que ligam a história de Vinder com a dos personagens principais, trazem mais elementos ainda desconhecidos, entre eles as Mouri, que juntas fazem parte de uma espécie de dispositivo que ajuda a manter o tempo sob controle. Outro encontro importante no templo é o de Swarm e Azure com os protagonistas, o que torna as ameaças do vilão à Doutora e seus aliados ainda mais perigosas.
Já em outro núcleo da história, separado da Doutora e de volta à Terra nos dias atuais, o novo companion, Dan, consegue se virar bem sozinho e resolve os problemas com um desenvoltura que não é tão comum nessa fase em que os personagens ainda não passaram tanto tempo com a Doutora e não a viram em ação tantas vezes. A participação de Karvanista, embora pequena, foi calculada para agradar os espectadores (alguém aí já virou fã?).
Ainda sobre Dan, o episódio trouxe também o clássico momento em que a Doutora convida o novo amigo para viajar ao seu lado. Porém, desta vez, esse convite acontece de forma um pouco mais atribulada que o normal. Isso porque, geralmente, o convite “oficial” aos companions acontece num momento mais calmo, entre uma aventura e outra. Como a trama desta temporada é contínua, não haveria essa ocasião de “calmaria”.
E mais uma vez, no finalzinho do episódio, a série mostra também a face ruim da Humanidade. Mesmo com uma aventura em que temos diferentes alienígenas nos papéis de vilões, o autor não deixa de criticar os comportamentos maldosos de alguns seres humanos. A atitude final do General Logan lembrou muito a personagem Harriet Jones no final do especial The Christmas Invasion e serve de lembrete aos espectadores de que, embora não tenhamos Sontarans à espreita, no mundo real, também temos sempre com o que nos preocupar.
Jornalista apaixonada por histórias e personagens fictícios, principalmente se eles viajarem pelo espaço a bordo de uma cabine azul.