[Claro que você já viu o episódio de regeneração do Capaldi, né? Mas, se não viu, melhor assistir antes de ler esse texto. Spoilers!]
Acabou. Twice Upon a Time marcou o fim da era Capaldi e da era Steven Moffat em Doctor Who. Essa é uma verdade que está presente em cada ponto do especial de Natal, construído não somente como uma despedida, mas principalmente como uma notável homenagem de antigos fãs da série que tiveram o prazer de se tornar parte dela por algum tempo e que agora seguem outros caminhos. Longe de ser uma aventura frenética, o episódio aposta em um enredo simples recheado de encontros, diálogos e acontecimentos marcantes para ganhar o coração do espectador.
E, já que falamos de enredo, adianto que este foi o único ponto que não merece destaque. A história em torno do Testimony foi fraca, sem um grande problema a ser resolvido ou suspense que realmente envolvesse o espectador e foi resolvida de forma muito simples. Na verdade, o que ficou óbvio foi que o enredo foi construído unicamente para possibilitar os encontros entre os personagens. Mas o mais surpreendente é que essa escolha funcionou, e o que poderia ter sido um episódio enfadonho começou e, principalmente, terminou como um especial daqueles que aquece os corações do público.
As emoções já começaram fortes, com a introdução de trechos reais do último arco do 1º Doutor, The Tenth Planet, passando para as cenas gravadas para o especial, com David Bradley no papel. E aqui vale lembrar que não é a primeira vez que o ator interpreta esse personagem. Ele viveu o Doutor e o próprio William Hartnel no telefilme An Adventure in Space and Time, feito para os 50 anos da série. Mais que provocar nostalgia em quem já viu a série clássica e instigar quem ainda não viu, a participação conseguiu levantar pontos interessantes sobre a história do programa e sua mudança ao longo do tempo, evidenciada através das diferenças entre o pensamento dos dois Doutores sobre várias questões. A que mais chamou a atenção foi o machismo do 1º Doutor, que até gerou protestos de alguns fãs. Mas esse parece ter sido um artifício usado para criticar o sexismo presente em alguns pontos da série de forma geral, por exemplo, por terem demorado tanto a permitir uma protagonista feminina.
Outra personagem conhecida que o episódio traz de volta é Bill, quer dizer, se você concorda com a ideia de que as pessoas são o conjunto de suas memórias. O artifício foi repetido para trazer os outros dois companions que aparecem no especial, Nardole e a já esperada participação de Clara, seguindo o padrão das últimas regenerações de os Doutores encontrarem (de alguma forma) com suas primeiras companheiras antes da mudança. Uma diferença entre a participação de Clara para as de Amy Pond e Rose Tyler com os outros doutores é que, dessa vez, havia uma questão a ser resolvida envolvendo a personagem: a recuperação das memórias do Doutor sobre ela. Nesse ponto, talvez fosse esperada uma solução mais complexa, mas a forma como foi feita encaixou bem no enredo e no tema do episódio.
Voltando às pessoas que não eram de vidro, o quarto integrante do time TARDIS no especial é alguém que foi suspense até o final. Todo mundo esperava que o Capitão tivesse alguma relação com o Doutor e foi uma grata surpresa saber que ele é tio-avô do Brigadeiro Lethbridge-Stewart, fundador da UNIT e figura recorrente na série clássica. O Capitão Archibald Hamish Lethbridge-Stewart havia sido mencionado em um dos livros da série Lethbridge-Stewart, mas nunca havia aparecido de fato. O papel também foi importante por marcar a despedida de Mark Gatiss da série. Além de ter interpretado outros personagens, ele escreveu alguns episódios.
Além de fazer referência a um dos personagens mais queridos da história de Doctor Who, o Capitão foi o elo para um dos momentos mais bonitos do especial. Mostrar o Armistício de Natal entre os soldados da Primeira Guerra Mundial (que aconteceu de verdade) foi não só uma bela mensagem de Natal, mas também uma forma de reforçar a esperança do Doutor nos seres humanos e mostrar que ela vai além da série, porque os terráqueos podem ser capazes de coisas horríveis, mas também podem tomar atitudes grandiosas. E isso se relaciona bem com os temas tratados durante toda a 10ª temporada.
O especial também veio cheio de referências de várias fases da série. Algumas que podemos listar são: Villengard (citado na primeira história que Moffat escreveu para a série, em 2005), New Earth (o local de onde vem o Testimony já foi visitado pelo Doutor em outras aventuras), Rusty (o “Dalek bom”, ou o Dalek que o odeia Daleks, teve sua história contada no episódio Into the Dalek, na 8ª temporada) e a participação de Toby Whithouse interpretando o oficial na cratera com o Capitão. Whithouse, assim como Gatiss, é roteirista e já escreveu algumas histórias para Doctor Who.
Por fim, vamos falar do momento mais aguardado: a regeneração. Depois de passar o episódio na dúvida entre regenerar ou morrer, o 12º Doutor teve um dos discursos mais bonitos para a ocasião. Além de relembrar conselhos como nunca ser cruel ou covarde (e não comer peras), e que, enquanto o ódio é sempre tolo, o amor é sempre sábio, o Doutor desapegou e realmente deixou ir essa encarnação, libertou-a. E isso tanto pode ser aplicado a todos que estão deixando a série agora, em especial Moffat e Capaldi, quanto serve de recado para o fandom, que, muitas vezes, tem dificuldade em deixar um Doutor ir para dar boas-vindas a outro, nesse caso, outra.
E, curiosamente, a chegada da nova Doutora lembrou muito os primeiros momentos do 11º Doutor, com a TARDIS em colapso, que também marcaram o início da era Moffat. É quase como se ele estivesse deixando a “casa” do jeito que encontrou, o que sabemos que não é verdade, porque, amado ou não, o showrunner fez muito pela série nesses últimos sete anos e, certamente, Doctor Who não seria a mesma sem o trabalho dele. Agora, nos resta esperar até a próxima temporada para ver a série sob o comando de Chris Chibnall e a performance da tão aguardada 13ª Doutora. Até lá “Ria muito. Corra rápido. Seja gentil”.
Jornalista apaixonada por histórias e personagens fictícios, principalmente se eles viajarem pelo espaço a bordo de uma cabine azul.