Em 08 de Janeiro, há 106 anos, ao sul da estação St. Pancras, nascia William Hartnell, o homem por trás do 1º Doctor, o original. Nesta edição, trazemos uma pequena biografia da vida do ator, com direito a curiosidades sobre sua personalidade complicada, seu envolvimento com a série e sua posterior saída.
Quem foi William Hartnell?
Filho de Lucy Hartnell, mãe solteira, que sofreu o duro julgamento da sociedade da época, ele teve um começo de vida complicado, sofria bullying dos colegas por não ter pais casados, sua mãe lhe deixou morando com uma família remendadora de sapatos para trabalhar em Bruxelas, e, graças à pobreza em que viveu, acabou se tornando um “ladrãozinho de lojas”.
Sua mãe acabou voltando, mas a relação entre eles jamais foi a mesma. Ele odiava ir para casa, ela lhe tratava à base de vassouradas, mas sua vida começou a mudar quando, aos 14 anos, Hugh Blaker, artista e filantropo, decidiu adotá-lo. Enviou-o a uma escola de teatro, e pouco mais de 3 anos depois, Hartnell já estava rodando pela Inglaterra com uma companhia de teatro. É interessante que foi só perto de completar 40 anos que ele passou a usar seu nome de batismo, e não Billy Hartnell, como era conhecido desde a infância.
Aos 21 anos, ele se casou com a atriz Heather McIntyre, sua companheira até o fim da vida. Seu casamento não era nenhuma maravilha, tendo Heather, apesar da admiração pelo seu talento, ter chegado a cogitar o divórcio, graças aos seus hábitos de bebida e caráter mulherengo. Ao mesmo tempo em que saía atrás de casos que durassem apenas uma noite, Bill admirava e não conseguiria viver sem sua esposa. Tiveram uma filha, Anne Carney, mãe de seus dois netos: Paul e Judith (Jessica) Carney, que viria a ser sua biógrafa.
Seus trabalhos mais conhecidos antes de Doctor Who foram no filme “Carry On Sergeant” e na série “The Army Game”, ambos de comédia, nos quais o ator fez papeis de militares durões. Também se destacou por participações pequenas em grandes filmes da época, atuando como policiais e, opostamente, ladrões.
No começo da década de 1960, a oferta de trabalhos começou a ficar mais escassa, mas ainda assim, ele resistiu um pouco antes de aceitar o papel que mudaria sua carreira:
DOCTOR WHO
É inevitável, um pedaço significativo do que será relatado nesta parte está muito bem retratado em “An Adventure in Space and Time”.
É fato que foi difícil para Warris Hussein e Verity Lambert convencerem Hartnell a encarnar “um velho de origens misteriosas, acompanhado por sua neta, Susan, que viaja pelo tempo e espaço numa máquina chamada Tardis, desfarçada de cabine telefônica de polícia”, como o Doctor lhe foi descrito, mas logo após a leitura do primeiro roteiro, ele teve certeza de que a série seria um sucesso. Ele aplicou todo o seu profissionalismo e seu perfeccionismo ao encarnar o Doctor, chegando ao ponto de ter decorado os botões da TARDIS e suas funções! O Doctor também foi se tornando mais carinhoso com seus companheiros por causa da vontade do ator.
Hartnell acabou se tornando muito afeiçoado à série e foi definitivamente muito feliz com o sucesso obtido. Em diversos relatos de seus colegas de elenco, e até mesmo de sua esposa, é possível ver como o sucesso da série e seu trabalho estavam entrelaçados entre si. Como relataria William Russel, o Ian Chesterton: “Admito que nenhum de nós achou que Doctor Who duraria muito, com exceção do Billy Hartnell, que tinha uma confiança no projeto que os protagonistas precisam ter.”
Era por meio das crianças, principalmente sua neta, que ele percebia o impacto de seu trabalho, como relata numa entrevista feita em 1964: “Memórias? Tenho tantas. Certa vez eu cheguei na TARDIS numa tela de ar e as crianças estavam convencidas de que eu tinha voado!? Em outra ocasião, fui de limusine a uma festa local. Quando chegamos lá, as crianças convergiram para o carro gritando animadas, com os rostos sorridentes. Eu soube ali o quanto o Doctor realmente significava para eles.”
Hartnell não conseguia entender porque alguém iria querer deixar de fazer parte de Doctor Who. Comentando de sua saída, William Russel (Ian Chesterton) lembra: “Acho que Billy (Hartnell) foi quem mais sentiu com isso – ele ficou bastante chateado quando eu e Jackie decidimos sair, e ouvi que ele não gostava de atuar sem o elenco original, especialmente porque Verity também já tinha saído.” Com a saída da produtora original, Verity Lambert, Hartnell teve que trabalhar com John Willes, com quem por inúmeras vezes bateu de frente.
As filmagens da série duravam 48 semanas das 52 de um ano! Sua família o via mais pela TV do que em casa. Ele não aguentou, desenvolveu arteriosclerose, o que fez com que menos sangue irrigasse seu cérebro e gradativamente, sua capacidade de decorar falas fosse piorando. Ele se recusava a reconhecer o erro, como lembra Verity Lambert numa entrevista de 2004: “Brigamos feio quando ele não conseguia decorar as falas e culpava a todos. Fui a um pub mais tarde e ele começou. Eu disse, ‘Bill, sinto muito. Você precisa decorar suas falas. Não é justo com os outros atores, e não os culpe quando o erro é seu.’ Ele estava furioso, mas no outro dia me mandou um buquê gigante com flores adoráveis.”
Não havia jeito, uma hora ou outra, ele teria que deixar o papel. Wiles, produtor da série em parte da terceira temporada, tinha cogitado simplesmente mudar o ator em “The Celestial Toymaker”, arco em que o Doctor fica invisível, ou seja, ao reaparecer, o Doctor não mais seria interpretado por Hartnell. Wiles acabou pedindo demissão não muito tempo depois, cansado dos conflitos com Hartnell. Felizmente, essa ideia não se realizou, e Hartnell continuou no papel até o segundo arco da 4ª Temporada, The Tenth Planet, com a saúde deteriorada nesta história.
ÚLTIMOS ANOS
Após sair da série, o ator ainda trabalhou por mais algumas vezes, mas seu estado deteriorante acabou tornando-o cada vez menos procurado por diretores. Logo após sair da série, seu sucesso com Doctor Who ainda era explorado, como pode ser visto acima num cartaz para um trabalho feito não muito tempo após ter saído da série.
Ele voltaria a Doctor Who em 1973, no arco “The Three Doctors”, para uma participação pequena, mas de um esforço tamanho se considerado que naquele momento, Hartnell não conseguia mais decorar falas e ficou sentado diante de uma câmera lendo suas falas. Foi seu último trabalho.
Em 23 de abril de 1975, William Hartnell faleceu devido a uma série de infartos enquanto dormia ao lado de sua esposa.
Era um homem feito por contrastes, contradições. Sua personalidade, complexa, era definitivamente retrato de seus primeiros anos de vida. Ao mesmo tempo em que ninguém negaria sua competência, seriedade e credibilidade, também afirmariam o quão difícil era a convivência com ele. Tinha o pavio curto, mas afável; não teve uma boa educação formal, mas era elitista; amava sua família, mas não reconhecia que jamais soube quem fora seu pai. Amava o que fazia, era um perfeccionista obsessivo. Todo sua paixão pelo trabalho foi definitivamente extremamente importante para que Doctor Who dure até hoje, e, definitivamente, o ator ficaria completamente satisfeito em ver seu legado rendendo tantos frutos, mesmo tanto tempo depois.
Ah! Os trechos de entrevistas que usei aqui fazem parte da nossa seção de entrevistas, assim como todas as histórias do 1º Doctor estão disponíveis aqui no site!
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