[Esse texto contém spoilers]
Não dá mais pra dizer que a décima temporada de Doctor Who está “apenas começando”. Com o sétimo episódio, nos vemos cada vez mais próximos da season finale, e a primeira fala do Doutor em The Pyramid at the End of the World está aí pra nos lembrar disso: “O fim da sua vida já começou”. O “sua” nesse caso, é a dele mesmo. Embora seja mais provável que a regeneração de Capaldi aconteça no especial de Natal deste ano, a série está criando bastante expectativa para algum momento relacionado a isso ainda nos próximos episódios. Mas, enquanto isso não acontece, o Time Lord ainda tem muitas ameaças pra enfrentar e continua sua saga contra os Monges, apresentados no episódio anterior, Extremis.
O primeiro detalhe a ser observado nessa sétima história é a maneira como os acontecimentos anteriores foram apresentados. Ao invés de exibir primeiro todo o resumo do episódio anterior e depois partir para os novos fatos, tivemos a introdução da história nova sendo inserida entre a reprise das cenas importantes da anterior, ou seja, o “passado” e o “presente” da trama sendo intercalados. Isso é interessante sob dois aspectos: primeiro, porque, se considerarmos que quase tudo que vimos em Extremis aconteceu em um mundo simulado, a sequência criou um paralelo entre simulação e realidade – inclusive com algumas semelhanças, como o encontro entre Bill e Penny; segundo, porque o episódio inteiro também usou uma narrativa intercalada, e isso foi responsável por tornar a história bem mais interessante. Enquanto o Doutor e sua turma enfrentavam a ameaça dos monges, o dia parecia quase normal em um laboratório de pesquisas, e quem assistia sabia que as duas coisa se conectariam em algum momento, descobrindo aos poucos a real ligação entre elas.
No núcleo principal, a trama gira em torno de uma pirâmide de aparentemente cinco mil anos que surgiu misteriosamente no fictício país do Turmezistão, em um território cercado por tropas norte-americanas, chinesas e russas. Não é a primeira vez em que o país aparece na série, ele também foi palco de eventos no episódio The Zygon Invasion (9ª temporada), escrito por Peter Harness, que assina The Pyramid at the End of the World junto com Moffat. A situação vira caso de segurança mundial, e o secretário-geral da ONU convoca o Presidente da Terra, ou seja, o próprio Doutor. Pra entender isso, é preciso lembrar de Death in Heaven (8ª temporada), quando o mundo entra em crise por causa do exército de Cibermen criado por Missy, e o cargo é instituído, sendo o Doutor nomeado para ocupá-lo. O que ainda não deu pra entender foi como colocaram a TARDIS naquele avião, se ela foi retirada da Universidade à força, e não desmaterializada…
É claro que a pirâmide misteriosa é na verdade uma nave espacial comandada pelos Monges, que revelam que vão dominar a Terra, mas apenas quando forem solicitados, o que deve acontecer no fim do mundo. O problema é que, mesmo sendo dia, todos os relógios passam a marcar 23:57:00, como se todos virassem o Relógio do Apocalipse, marcando quão próximos estamos do fim do mundo, representado pela meia-noite. Ao contrário do país, o relógio não é fictício. Na realidade, ele é um índice desenvolvido pela Universidade de Chicago que considera ameaças como armas nucleares, emergências biotecnológicas e mudanças climáticas. Sem querer alarmar ninguém, atualmente, o relógio marca 23:57:30, o mais preocupante desde 1953.
Os monges também mostram uma visão da Terra completamente sem vida dentro de um ano e deixam claro que isso vai acontecer por mãos humanas, mas que eles podem impedir desde que alguém que tenha poder dê consentimento para que eles passem a dominar a Terra, mas esse consentimento tem que ser feito por amor e não por medo, já que “o medo é temporário. Amor é escravidão”. E, se alguém ainda tinha dúvidas sobre as péssimas intenções dos monges, elas acabaram aí. Aliás, basta ter alguma experiência com Doctor Who para desconfiar de qualquer monge que cruze o caminho do Time Lord. Desde a série clássica, várias dessas figuras foram antagonistas do Doutor: desde o arco The Time Meddler, no segundo ano da Clássica, até os Monges sem cabeça da 6ª temporada da série moderna, que entraram em um contexto de clara crítica contra as religiões. Desta vez, essa crítica ganha viés filosófico, quando o amor (que pode ser relacionado com a crença) é exposto como uma forma de dominação.
Com os líderes dos exércitos firmando um acordo de paz, fica ainda mais evidente que o fim do mundo não acontecerá pela guerra, então as atenções se voltam para a outra parte da história, mostrada como secundária até o momento. Os acontecimentos no laboratório somam pequenas irresponsabilidades humanas para criar uma bactéria capaz de destruir tudo que é vivo em poucos minutos, e falta pouco tempo para que ela seja liberada na atmosfera. O desfecho exige da inteligência do Doutor e também da colaboração da personagem Erica (interpretada por Rachel Denning) para criar uma explosão a fim de esterilizar o laboratório antes que as bactérias escapem. Mas no último minuto o Senhor do Tempo fica preso no local, em uma cena que lembrou a situação que fez o 10º Doutor regenerar. A trava da porta que ele precisa abrir é uma senha analógica e seria simples escapar se ele pudesse enxergar, mas é bem complicado sem isso. Problema que seria evitado se a fechadura fosse adaptada para deficientes visuais, né? Acessibilidade faz falta na ficção e na vida real.
No caso do episódio, O problema foi o gancho para duas coisas que já sentíamos que ia acontecer: a Bill descobrir sobre a cegueira do Doutor e os Monges conseguirem dominar o planeta. A decisão da companion de pedir ajuda aos aliens para restaurar a visão do Time Lord poderia parecer tola, mas foi explicada satisfatoriamente no texto da personagem: se o Doutor morresse (considerando que ela não sabe sobre as regenerações), a Terra estaria livre dessa ameaça, mas ficaria vulnerável posteriormente. Enquanto que, vivo, ele pode livrar o planeta dos conquistadores – o que deve acontecer no próximo episódio.
É interessante observar que mesmo com o foco nos novos vilões alienígenas, o episódio não fugiu da tendência da temporada: chamar a atenção sobre a responsabilidade humana nas tragédias provocadas por ela mesma. Dessa vez, a simples irresponsabilidade de alguém ir trabalhar de ressaca poderia ter causado o apocalipse. Parece muito absurdo, mas se a gente pensar em quantas mortes acontecem, por exemplo, por causa de motoristas que dirigem mesmo sem estar nas condições necessárias, dá pra entender perfeitamente o recado do episódio.
Jornalista apaixonada por histórias e personagens fictícios, principalmente se eles viajarem pelo espaço a bordo de uma cabine azul.