Depois de cinco anos agitados, Jodie Whittaker está deixando Doctor Who. Em entrevista exclusiva, ela reflete sobre suas conquistas e arrependimentos.
Por ADRIAN LOBB | Tradução Amanda Oliveira
Jodie Whittaker está deixando o Doctor Who. Após cinco anos intensos – para Whittaker, para Doctor Who, e para o mundo – ela está se afastando da TARDIS. Isso faz desta uma entrevista de despedida. E Whittaker está atrasada.
“Estou indo bem. Eu só preciso manter uma rotina melhor”, diz ela. “Uma das melhores coisas de fazer Doctor Who era que eu sabia onde tinha que estar todos os dias”. Eu sabia que estaria em cada cena, todos os dias, o tempo todo, por um ano inteiro”. Portanto, nunca tive que escrever nada. Agora estou em licença maternidade, tenho tempo livre em meio ao caos absoluto”.
Doctor Who significa muitas coisas para diversas pessoas. Mas, quando Whittaker descobriu que iria substituir Peter Capaldi em 2017 foi – admite ela – apenas um papel.
Um grande papel. Entretanto, a Doutora foi apenas o último papel em uma bela carreira que tinha começado a sério com Vênus em 2006, em frente a Peter O’Toole, continuou através de performances brilhantes e contrastantes no filme The Night Watch para a BBC e no filme cult de sucesso Attack the Block antes de seu papel central em Broadchurch, que se tornou o programa de TV mais comentado de 2013.
Agora Whittaker já entende melhor. “É muito mais do que um papel. É um mundo inteiro. E é o mundo mais emocionante em que se pode estar”, diz ela.
Quando Jodie Whittaker falou com The Big Issue antes de seu episódio de estreia em “The Woman Who Fell to Earth”, ela disse “Inclusão e esperança – é isso que eu quero levar para Doctor Who”. Por isso, é bom perguntar como ela se sentiu com essas métricas-chave.
“Não posso levar a maioria do crédito, porque grande parte disso se deve ao roteiro”, diz ela.
“Mas esse era o sentimento predominante da Doutora que eu queria trazer. E sinto que me foi dada essa oportunidade, e que este programa, neste momento, representa tudo o que eu queria que ele fosse”.
A estreia de Whittaker abordou grandes momentos da história. Demons of the Punjab foi uma lição de história sobre a divisão da Índia, uma lembrança do número de mortos e da crise de refugiados que se seguiu. Além de ter sido uma jornada intensamente pessoal para Yaz e um dos melhores episódios dos últimos anos. Da mesma forma, Rosa viu a Doutora e sua equipe testemunharem e salvaguardarem um momento crucial na história. Previsivelmente, houve crescentes críticas por seu engajamento (como se ter orgulho de ser antirracista fosse algo ruim).
“De qualquer ângulo, o racismo é horrível. E errado. Então para mim isso não é político, isso é um fato”, diz Whittaker. “Foi incrível trazer essa história para uma geração mais jovem que pode não ter visto isso na escola ou que até pode saber quem é Rosa Parks, mas não conhecer os detalhes”.
“Você nunca quer parecer como se a Doutora estivesse recebendo crédito por algo que não tem nada a ver com eles – na verdade são pessoas reais na história. Rosa foi muito especial para todos nós”.
Havia muita esperança na primeira season finale de Jodie Whittaker, The Battle of Ranskoor Av Kolos. Questionada sobre seu momento favorito de seu tempo na TARDIS, Whittaker seleciona o monólogo inspirador da Doutora naquele episódio: “Nenhum de nós sabe ao certo o que há por aí. É por isso que continuamos procurando. Mantenha sua fé. Viaje com esperança. O universo vai surpreendê-lo. Constantemente”.
Isso resume tudo sobre Doctor Who. E foi proferido maravilhosamente.
“É um lindo discurso, baseado em ‘viaje com esperança’. E eu amo a ideia de que o universo está lá apenas para ser conquistado”, diz Whittaker.
“Como humanos, vamos viver assim. Estamos limitados a aventuras na terra no momento, mas quem sabe daqui a 20 anos. E mesmo que não, metaforicamente alcance-o. Viaje com esse coração aberto.”
Jodie Whittaker vive de peito aberto. Seu coração está lá em todas as suas interações e isso é amplificado na tela.
“Na vida real, você sabe – já me encontrou algumas vezes – eu posso estar bastante nervosa e um pouco agitada e todas aquelas coisas que muitas vezes tenho que controlar para alcançar uma quietude natural nos personagens que interpreto”, diz ela.
“Não desta vez. Eu tive que pegar e colocar isso na Doutora – e Chris [Chibnall, escritor] foi brilhante em me empurrar nessa direção. Minha fala de abertura foi ‘brilhante’. E tem sido. E o meu diálogo na regeneração é realmente perfeito.”
“Chris realmente se comprometeu com o otimismo, a solidão e a tristeza que surge quando se tem tanta esperança e essa esperança é perdida. Eu não sabia que isso iria me desafiar tanto emocionalmente”.
Voltando para a entrevista de despedida. Será que ela se sentiu apoiada no papel? “Cem por cento. Um milhão por cento”. Algum arrependimento? “Nenhum. Eu teria adorado se minha última temporada tivesse sido eu, Mandip [Gill] e John [Bishop], mais Brad[ley Walsh] e Tosin [Cole].”
“Quando aqueles caras saíram, eu fiquei realmente com o coração partido – foi como o fim de uma banda. Mas depois ganhamos um grande integrante novo. Portanto, não é um arrependimento, apenas uma criança petulante que não gosta de mudanças”.
E como foram as críticas? “Sinto que ouvi os comentários que eram agradáveis e consegui filtrar todas as bobagens que provavelmente teriam me aborrecido”.
O que vem em seguida vem sendo anunciado há muito tempo. Os fãs estão empolgados. Whittaker também está entusiasmada. Russell T Davies está no controle novamente após 12 anos. Ncuti Gatwa se tornará o próximo protagonista do programa mais emblemático da televisão britânica, e começará a filmar muito em breve. Mas primeiro (pensamos), David Tennant vai reprisar o papel junto com Catherine Tate, sua antiga parceira de luta, em episódios especiais para marcar os 60 anos do Doctor Who em 2023.
“De tudo que está para acontecer, o mais empolgante é o retorno de Russell T Davies”, diz Whittaker, fazendo eco a todo o fandom de Doctor Who. “Não poderia estar em mãos mais seguras”. E Ncuti Gatwa não precisa de nenhum conselho meu – ele é muito mais qualificado do que eu”. Ele é absolutamente incrível.
“Fiquei presa na euforia de tudo isso, como todos os outros. Mas essa é a beleza deste trabalho. Você tem que se entregar. E você descobre, como uma fã, o rumo que ele irá tomar. E agora vou poder vê-lo sem ficar estressada sobre se acertei um discurso ou se alguém vai entender meu sotaque. Vou poder assistir a algo que adoro da segurança de minha sala de estar”.
A série é toda sobre o tempo. Tudo sobre a implacável marcha em frente. Tudo sobre a criação de um futuro melhor. Mas não vamos nos antecipar muito.
Porque antes de Whittaker deixar a TARDIS, ela tem uma despedida. E tudo o que sabemos sobre ela parece extraordinário.
Como de costume (e o correto), não podemos contar muito sobre The Power of the Doctor. Mas teremos Daleks. Haverá Cybermen. Haverá Sacha Dhawan retornando como o último nêmesis da Doutora, o Mestre. Também testemunharemos o retorno de Janet Fielding e Sophie Aldred como as amadas companheiras Tegan e Ace.
“É uma lista justa, não é?”, diz Whittaker. “É uma despedida apropriada para mim”.
Pode haver mais velhos amigos (e inimigos) também. E não nos faça começar a falar das cenas finais entre a Doutora e Yaz (Gill) – vistas pela última vez sentadas em uma praia. Um raro momento de quietude em meio à energia frenética da era Whittaker, enquanto discutem a impossibilidade de um relacionamento.
“Nossas histórias têm refletido o amor e o respeito que temos uma pela outra, e a alegria de estar perto uma da outra”, diz Whittaker sobre sua amizade fora das telas com Gill. “Eu sabia que a química estava lá em sua audição”. Eu saí e disse a Chris: “Eu poderia ser a melhor amiga dela”. Ele disse: ‘Bem, há outros fatores importantes!’ Mas ela me fez rir tanto. Eu sabia que ela seria alguém que eu nunca me cansaria de ter por perto.”
“Ainda não me acostumei com o fato de não vê-la todos os dias. Estava andando agora mesmo ao telefone, fazendo um monólogo para Mandip”.
Há outros grandes sentimentos em The Power of the Doctor. Filmar as cenas finais, em ordem, foi duro. “Ele está puxando cada fio emocional”, diz Whittaker. “Nós atuamos de forma metódica naquele último dia porque foi a primeira vez que filmamos em ordem. Portanto, minha última cena é a última cena. Antes mesmo de terminarem de verificar o último take da última cena, eu estava em pedaços. Mesmo quando nos enrolávamos em um corredor, sempre nos emocionávamos, ou fazíamos as últimas verificações de figurino com a pessoa que ficou ao seu lado durante todo esse tempo. Sabe, até mesmo meu último teste de fluxo lateral foi emocionante!”
No dia seguinte da filmagem da cena final, ela estava no programa do Graham Norton – tendo que mentir para o apresentador do programa favorito de entrevistas do país. “Eu estava um pouco atordoada em seu sofá. Estava escondendo minha gravidez e fiquei muito enjoada. Então, acho que lhe disse que estava de ressaca. Mas eu não estava nada. Eu era muito mais profissional do que isso. Estava realmente enjoada e tentando disfarçar. Então Coldplay me colocou no palco enquanto eles cantavam. Pensei que ou eu ia chorar de alegria ou vomitar e ser humilhada publicamente”.
Seguros de que o futuro é brilhante, os fãs estão ansiosos e prontos para dar receber de forma generosa e comemorativa o grande final de Jodie.
“Fiquei empolgada com a escolha de Ncuti. Mas, mesmo assim, neste momento, apesar de não poder mais vestir o casaco, ainda sou a Doutora. E isso é realmente emocionante para mim”. Porque eu adorei muito. De uma maneira que foi completamente inesperada. Eu simplesmente não podia acreditar que podia aproveitar tanto algo”.
Para alguns fãs, tem havido um sentimento incômodo de que parte da perspicácia na escrita e na trama acabou com o fim da era de Steven Moffat. E a forma como o programa mudou a programação para as noites de domingo, além da perda dos episódios de Natal em favor dos especiais de Ano Novo, pareceu uma redução de ambição ou falta de confiança. Os números da audiência foram prejudicados.
Mas Whittaker trouxe verdadeira empatia ao papel – menos gênia solitária, mais trabalho em equipe, com uma humanidade enorme que contrastava bem com a interpretação mais alienígena de Peter Capaldi. E como a primeira mulher no papel, Jodie Whittaker conquistou um terreno novo e essencial.
E o que vem a seguir?
“É engraçado, não é? Se você é um cara, há uma preocupação com ter personagens com as mesmas características. Mas tive sorte, nunca estarei em uma situação em que isto seja repetitivo. Por isso, suponho que qualquer coisa que me preencha com o tipo de sensação de estar no topo de uma montanha russa – que foi o que senti quando comecei – aquela adrenalina temerosa e excitante. Isso é o que eu pretendo fazer a seguir. Mas não é preciso marcar um quadradinho. Poderia ser um drama contido e emocional, ambientado em uma sala. Isso poderia trazer o mesmo sentimento e me excitar da mesma forma que algo épico e distópico e que ultrapasse o gênero”.
E, para aqueles de nós que gostariam de vê-la, um dia, em um roteiro de Russell T Davies? Talvez alguma daquela famosa esperança de que ela tanto gosta. Pergunta final da entrevista de despedida: você já imaginou um retorno?
“Sei que este é o fim adequado da minha era”, diz Whittaker, pausando, lutando para frear outro surto de emoção. Depois, risos.
“Continuo dizendo que se Russell alguma vez me quisesse, eu voltaria. Eu já estou lutando por isso! Estou tentando não irritar ninguém para que me queiram”.
Doctor Who: The Power of the Doctor será exibido no domingo 23 de outubro na BBC One e iPlayer.
Traduzido de: bigissue.com
Ambientalista por formação, tradutora nas horas vagas, whovian carioca e viciada em livros, filmes e séries. Fã de ficção científica, especialmente quando envolve viagem no tempo.